sábado, novembro 16, 2024

Meu mural das lembranças e gratidão

 


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Outro dia vi o filme Viva, a Vida é uma Festa, da Disney e adorei. O filme baseia-se no feriado mexicano de Dia de Los Muertos. Foi o ponto de partida para uma reflexão sobre as pessoas que passaram pela minha vida, deixaram saudades e boas recordações e que eu quero homenagear neste meu post quilométrico.

Primeiro, agradeço ao meu marido António Rodrigues que fez esta arte maravilhosa aqui em cima especialmente para o meu post. Ficou linda, né??

Deixei muita gente de fora, porque decidi me concentrar apenas na família, desta vez. Hoje seria aniversário de 117 anos da minha avó Flora. É uma boa data para o post.

Morei com os meus avós paternos Flora e Mário até a separação dos meus pais, quando eu tinha de 15 para 16 anos, e por isso eles estão na prateleira lá do alto. Em seguida, estão os meus avós maternos Norberto e Irene. Na terceira prateleira, estão o meu tio-avô Domingos (o tio Mingo), e a terceira mulher dele, a tia Cida. Em seguida vem a Alayde, minha madrinha de crisma, que não é exatamente da família, mas é como se fosse. E, finalmente, a avó dos meus filhos, minha sogra, a dona Florência.

Neste post, quero fazer uma homenagem a cada um deles, que se foram, mas nunca foram esquecidos.

Flora

Minha avó paterna sempre me contava muitas histórias da sua infância em Mococa, e eu pedi para ela escrever, pois achei que eu ia esquecer tudo, e foi o que ela fez. Escreveu tudo a lápis, com a letrinha dela em um fichário e eu consegui publicar o livro Flora, minhas memórias, na Casa de Cultura de Mococa, em 2013. Ela era muito séria, mandona e exigente, mas também muito dedicada a mim. Vovó Flora, muito obrigada por ter coado tantas vezes o feijão, para eu comer só o caldinho. Obrigada por ter costurado aquelas roupinhas novas para as minhas bonecas em um Natal. Obrigada por ter me ensinado a bordar e a cerzir meias. Obrigada pelas bananas fritas que a senhora fazia e que eu disputava com o meu pai pra ver quem comia mais. Obrigada por aquela lindíssima colcha de crochê que a senhora fez pra mim. Eu me arrependo amargamente de não tê-la conservado comigo. Era maravilhosa! E hoje eu sei o trabalho que dá fazer uma parecida. Obrigada pelas almofadas em ponto cruz, por bordar as minhas iniciais em toalhas de banho e de rosto, para o meu “enxoval”. Obrigada por aquela colcha de retalhos que a senhora fez pra mim e muitas outras coisas. Obrigada por deixar pra mim aquela bolsinha de metal dourado, com seu nome gravado, que a senhora usava nos bailinhos da sua juventude. Vovó, eu nunca vou te esquecer.

Mário

Filho de italianos, meu avô Mário era a bondade em pessoa. Amava as crianças, não tem um sobrinho ou sobrinha dele que não tenha boas recordações do tio Mário. Com aqueles seus olhos azuis, ele adorava contar histórias engraçadas e  brincar com as crianças, e comigo não era diferente. Vovô, obrigada por passear comigo tantas vezes na calçada da rua onde morávamos, por fazer apitos para mim com o caule de matinhos que nasciam do outro lado da nossa rua, por apontar os meus lápis e descascar as laranjas. Obrigada por colher e me dar aquelas flores chamadas brincos de princesa, que faziam com que eu me sentisse uma verdadeira princesa. Obrigada por fazer cataventos para mim. Obrigada por me ensinar a caçar vagalumes e a prendê-los em caixinhas de fósforo (depois, nós os soltávamos). Obrigada pelo carinho, pelo colo, pela paciência, pelas histórias. E me desculpe por eu ter rasgado uma foto sua com uma menininha desconhecida, de uma das temporadas de pesca que o senhor costumava passar no Pantanal com o dr. Figueiredo. Obrigada por fazer pra mim aqueles brinquedos que voavam, quando eu estava no sítio. Obrigada pelos jogos de buraco que jogávamos também com a vovó. Obrigada por me levar na Cultura Inglesa, quando meus pais foram viajar para o Sul, e não me levaram com eles. Obrigada por me ensinar algumas palavras em italiano e também por aquelas comidas italianas que o senhor gostava de ajudar a fazer no Natal. Vovô, eu nunca vou te esquecer.

Norberto

Meu avô Norberto morreu quando eu tinha só seis anos. Não pude vivenciar esse luto, porque minha família só me contou que ele tinha morrido bem depois. Fiquei muito triste por não ter podido me despedir do senhor. Foi uma pena, porque se o senhor tivesse vivido mais tempo, eu sei que eu acabaria vencendo a minha timidez e ia conseguir cantar Dominique com o senhor ao violão, como o senhor queria e eu morria de vergonha e ficava calada. Vovô, eu adorava ouvi-lo tocar violão! Sabe que depois que o senhor morreu, eu ganhei o seu violão e a minha mãe me matriculou em uma escola de música perto de casa? A professora queria que eu tocasse os acordes daquela música Lampião de Gás. Mas eu era pequena e o seu violão muito grande pra mim. Eu não conseguia deixar meus dedinhos na posição certa que a professora ensinou e chorei, desiludida. Nunca mais voltei naquela escola e em nenhuma outra. Mas hoje o senhor ia ficar orgulhoso de mim, porque eu canto em um coral e adoro! Seu violão, eu dei para o meu primo Rogério, seu neto que o senhor não teve a oportunidade de conhecer, porque ele é filho do Leônidas, o irmão mais novo da mamãe, que já deve estar aí com o senhor, cantando Trem das Onze de trás pra frente, como ele gostava de fazer. Ele sim sabia tocar violão e cantava muito bem. Vovô, obrigada por ter deixado essa sua herança musical aqui comigo. Obrigada por ter deixado aquelas cartas de amor tão lindas que o senhor escreveu pra vovó Ene. Elas sempre foram muito inspiradoras pra mim. Vovô, eu nunca vou te esquecer.

Irene

Minha doce e querida vovó Ene… Ahhh, como me lembro daqueles dias entre o Natal e o Ano Novo, quando eu ficava com a senhora na sua casa. Era difícil tomar banho naquele banheiro que ficava do lado de fora da casa, mas a senhora me emprestava um roupão de lã xadrez, muito maior do que eu e eu ficava bem quentinha. Eu adorava dormir na sua cama com a senhora, nesses dias. Obrigada por fazer pra mim aqueles seus deliciosos bifes acebolados, e por me deixar passar o pão naquela frigideira cheia de furinhos. Hummm, como era bom! Também me lembro do seu delicioso doce de abóbora com coco. Obrigada por me dar comidinha de verdade (arroz e feijão) para eu brincar de casinha no quintal, sozinha ou com as amigas da vizinhança. Obrigada por cuidar da minha cachorrinha Meg pra mim, depois que me casei e não tinha mais como dar atenção pra ela. Obrigada por ter cuidado tão bem dela até o fim. Vovó, obrigada por ter sido sempre um amor de pessoa comigo, por nunca ter me dado nenhuma bronca, por ter tanta paciência comigo. Obrigada por me perdoar a ausência depois que me casei e que a vida complicou e eu quase não a visitava mais. Sempre me culpei por isso. Vovó, eu nunca vou te esquecer.

Domingos

Meu querido tio Mingo, quantas saudades eu sinto das férias que eu passava no sítio, em Ribeirão Preto! Obrigada por nos convidar e nos acolher tão carinhosamente. Obrigada por ter pedido para a cozinheira fazer sempre um prato mais gostoso do que o outro quando nós estávamos lá. A gente estava acabando de almoçar e o senhor já ia procurar uma receita nova no seu fichário para a refeição seguinte. Foi lá no sítio que eu comi aquela sopa chamada Minestrone pela primeira vez. Obrigada por ter me proporcionado os momentos mais felizes da minha infância, por ter permitido que eu sempre levasse uma amiga comigo para ter com quem brincar, embora também fosse muito bom brincar com os primos Beto e Leo lá no sítio. Obrigada pelos passeios de Kombi até o porto de areia, onde eu escolhia umas pedras bem bonitas pra levar pra casa. Tio Mingo, o senhor sabe que agora onde era o sítio é um bairro muito populoso de Ribeirão Preto? O Leo me contou que tem até prédios por ali. Sabia que lá tem uma escola com o seu nome? Eu fiquei sabendo disso há pouco tempo, quando estava procurando uma fotografia sua na Internet (não achei) e fiquei muito orgulhosa porque acho que o senhor merece essa homenagem. Tio Mingo, eu nunca vou te esquecer.

Tia Cida

Ela tinha medo de andar de escada rolante, mas era uma alma tão boa! Como me lembro dela… A casa do sítio estava sempre cheia de visitas e ela nunca se perturbava. Estava sempre sorridente, de bom humor. Nunca a vi triste ou brava. Ela nos deixava muito à vontade por lá, como se a casa fosse mesmo nossa. A história dela era curiosa. O tio Mingo era duplamente viúvo. A tia Cida começou a trabalhar como babá dos seus filhos e logo conquistou não só as crianças mas inclusive o patrão. Também pudera! Ela era uma criatura muito doce e afável. Depois que todo mundo ia dormir, a senhora me perguntava se eu queria pipoca. Estourava uma grande tigela de pipoca e colocava em cima da mesa. Nós nos sentávamos uma de cada lado e ficávamos conversando, não me lembro mais quais eram os assuntos que poderiam interessar uma senhora já na casa dos 50 ou 60 e uma menina de seus 14, 15. Ficávamos a falar até a pipoca acabar! Obrigada, querida tia Cida, por ter me proporcionado esses momentos tão bons! Eu me sentia importante por ter amizade com a dona da casa. Obrigada, tia Cida, por ter me recebido no sítio com tanto amor e carinho, em todas as minhas férias escolares. Tia Cida, eu nunca vou te esquecer.

Alayde

Meu Deus do céu, como eu gostava da madrinha Alayde. Ela fazia tudo pra mim, mas tudo mesmo. Não me lembro, mas soube depois que ela fez uns aventaizinhos para as garrafas de refrigerante no meu primeiro aniversário, além de todas as comidas e docinhos. Madrinha, tenho até hoje uma faquinha gravada com o meu nome que a senhora me deu no Natal de 1959. Tinha garfo e colher no conjunto, mas só sobrou mesmo a faca. Está aqui em Portugal comigo. Madrinha, obrigada por sempre fazer bombocado pra mim nas festas (não só as minhas, mas nas dos seus netos também), que era o meu doce preferido. Obrigada por ser tão carinhosa comigo. Obrigada por me deixar escolher a galinha mais gordinha para os almoços especiais que a senhora fazia pra mim e eu sempre tinha o privilégio de comer as coxinhas. (Hoje sou vegetariana, mas naquela época achava normal comer as galinhas, coitadas.) Obrigada por me acolher sempre na sua casa, território livre para as brincadeiras com a Denise, sua outrra afilhada e minha melhor amiga da rua. Obrigada pelos anéis e pulseirinhas de “chapinha” de ouro com o meu nome gravado que a senhora me deu nas datas especiais e que eu mordia e amassava e que foram doadas ao governo na campanha “Ouro pelo bem do Brasil”.  Eu ia fazer seis anos quando a campanha foi lançada pelos Diários Associados, em 13 de maio de 1964 (data da Lei Áurea, que libertou os escravos), logo após o Golpe Militar. O objetivo era arrecadar ouro e dinheiro da população, para ajudar o país a arcar com sua dívida externa, atenuando os efeitos da inflação e valorizando a moeda nacional. Eu me lembro de ter ficado em uma fila enorme para doar algumas joias da família, incluindo meus anéis e pulseiras amassadas. Madrinha, sabe que esse feriado foi banido e o que se comemora hoje em 20 de novembro é o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra? Concebido em 1971, foi formalizado nacionalmente e incluído no calendário escolar em 2003. Foi instituído como data comemorativa em 2011 e oficializado feriado nacional apenas em 21 de dezembro de 2023. Bom, né? Madrinha, sabia que eu fiz uma homenagem à senhora no livro Papo de Cozinha Afetiva, coletânea com diversos autores, lançado em 2022 pela minha editora, a Reality books? Espero que a senhora tenha ficado feliz com esse meu bilhetinho aí para o Céu. Madrinha, eu nunca vou te esquecer.

Florência

Eu não poderia encerrar esse meu post, que acabou ficando enorme, sem falar na minha sogra, a dona Florência. Ela partiu no dia 9/9/2017, com 99 anos. Foi uma das pessoas que mais me ajudou quando precisei. Sei que ninguém é igual a ninguém, mas a dona Florência era a mais original das pessoas que eu conheci na vida. A senhora se lembra daquele dia em que fomos paradas na rua por uma mocinha que tinha um blog e queria fotografá-la, com seu xale roxo? A senhora usava aqueles xales coloridos de um jeito só seu: amarelo, vermelho, azul e principalmente verde, que era a sua cor favorita. Dona Florência, muito obrigada por fazer comida pra mim, na época em que os meus filhos eram pequenos e que eu não tinha tempo pra nada. Obrigada por amarrar toda aquela comida em um  pano de prato, como uma trouxa bem firme, para eu levar pra casa aquele seu arroz gostoso, os seus inesquecíveis pasteis de carne, sua maionese, seu feijão sem igual. Obrigada por cuidar do Tom e da Biba quando eu mais precisei. Obrigada por estar sempre presente. Obrigada por me chamar de “anjo” e por me elogiar sempre para todo mundo que nos encontrasse juntas. Dona Florência, eu nunca vou te esquecer.

quinta-feira, novembro 14, 2024

Os vinhos portugueses e seus nomes curiosos

Sempre gostei de vinho. Prefiro o vinho à cerveja, desde sempre. Morando aqui em Portugal, passei a apreciar ainda mais os vinhos daqui.

Portugal é o país com a maior variedade de castas autóctones: são cerca de 250 e já estão a ser desenvolvidos estudos que podem vir a descobrir mais.

São nomes totalmente diferentes das espécies de uvas que eu conhecia: Esporão, Touriga Nacional, Baga, Castelão, Touriga Franca e Trincadeira (ou Tinta-Amarela), que originam o vinho tinto. As castas brancas incluem: Alvarinho, Loureiro, Arinto, Encruzado, Bical, Fernão Pires, Moscatel e Malvasia Fina.

O vinho verde, ah! Que delícia! Meu marido me ensinou que essa casta Alvarinho só se dá bem na sub-região de Monção e Melgaço. Quando levada a outras partes, ela não se desenvolve bem. A uva Alvarinho produz vinhos brancos refrescantes e macios, pouco encorpados e com elevado grau de acidez. A sua cor palha e aroma a fruta com toques de mel são bem características deste vinho delicioso.

Outras castas que são usadas para fazer o vinho verde português são: Arinto, Avesso, Azal, Loureiro e Trajadura (branco) e Padeiro e Vinhão (tinto). Você sabia que existe vinho verde branco e tinto? Eu não.

E nem vamos falar aqui do Vinho do Porto, que é um capítulo à parte.

Mas o que mais me chama a atenção aqui nem é o vinho em si, mas os nomes curiosos que os portugueses escolhem para os vinhos, os rótulos super criativos e, obviamente, o preço. Por pouco mais de 6 reais (1 euro, arredondando) aqui se compra um ótimo vinho. Se quiser pagar um pouco mais, a variedade e a qualidade são enormes.

Para provar o que eu digo, fotografei várias garrafas de vinho ontem no supermercado, para este post ficar bem colorido e divertido. Nessa galeria não poderia faltar o Periquita (aqui não tem a mesma conotação que costuma ter no Brasil), um dos mais conhecidos entre os brasileiros apreciadores de vinho e nome de uma casta de uva, também (outra coisa que eu não sabia). 

Porta 6 (olha que rótulo!) e Algazarra

Assobio

Capote Velho - que nome... rsrs

Colete Velho - idem... 

Comboio do Vesuvio

Coutada Velha (terreno cercado e isolado regulamentado legalmente para casa)

Diálogo Douro

Jardim Secreto (acho esse nome muito romântico!)

Monte de Amigos (adorei!) 

Papa Figos é um passarinho 

Periquita - famoso no Brasil, mas muitooo mais caro

Pouca Roupa (com o rótulo recortado, super ideia criativa!!) 

Tapada das Lebres (tapada é um terreno com árvores e cercado)

Terra Lenta (se fosse em São Paulo seria Terra Acelerada) 

O Pera Doce é bem famoso, Trinca Bolotas é um porquinho (rsrs) e Sossego é um nome delicioso! 

terça-feira, novembro 05, 2024

Neste jardim onde as árvores morrem e os lobos uivam com a alma

Fotografia feita no dia do meu aniversário de 66 anos, em Dornes, Portugal

(a mãe Natureza ainda quer continuar a dar lar aos filhos que a amam...)

“Uma pessoa de bom senso não precisa de explicações muito detalhadas;
Um tambor ressonante não precisa de ser percutido com força”.
Provérbio chinês.

Nós, espécie humana, vivemos de mitos e ilusões, porque de outra forma não seria possível, para a maior parte, a prática quotidiana da existência. Aqueles que entendem os limites da nossa cognição e, decorrente consciência de que as respostas às perguntas que todos fazemos e de que muitos  julgam, comodamente, estar esclarecidos, se encontram num plano transcendente às nossas capacidades, precisaram encontrar uma forma de ajustar as suas práticas a esta circunstância, guiando os seus passos, determinados pela linha de causa e consequência do Universo, como se o arbítrio desses passos lhes pertencesse.

Os mais inexperientes, e com a consciência mais iludida e menos esclarecida, são os que se sentem mais cheios de certezas. São arrogantes e nessa convicção vã de estarem dotados de um saber elevado, atribuem às suas ideias uma qualidade maniqueísta que se expressa com tirania e desprezo pela experiência alheia. Todo o mundo se deve vergar às regras das suas doutas certezas. Não consideram a tolerância exigida pela multiplicidade de sensibilidades humanas e pela legitimidade das suas escolhas na dignidade que assiste a todas as formas de vida e todas as consciências, dos mais diversos tipos e formas que existem nos planos e dimensões em que vivemos. Nesta prática, fazem convictos juízos e avaliações que, onde pensam estar uma visão elevada, se encontra uma cegueira boçal. Falta-lhes a percepção de que um juízo não é mais do que um acto mental de avaliar um conteúdo ou predicado formulado por um sujeito, confirmando ou negando, dentro de perspectivas éticas e práticas. Não conseguem perceber a intrínseca relatividade das suas avaliações, e o espaço inevitavelmente dubitativo das suas opiniões. Na realidade, em face de uma básica exigência de verdade, esta é impossível de se atribuir dado a consciência humana oscilar entre a percepção do falso e do verdadeiro, do provável e do improvável, do certo e do incerto. Acabam na sua tirana cegueira, estes ditadores da vida alheia a confundir nos seus juízos qualidades particulares das formulações com generalizações universais, sem respeitarem umas nem outras, numa altivez moral que ignora as cronologias, percursos e contextos das referidas formulações.

Aqui quero deixar claro que não desejo enfermar este discurso do mesmo mal que refiro. Seria uma perversidade paradoxal. A grande e fundamental diferença é que me limito a expressar uma opinião para que cada um faça a sua reflexão, se assim o entender e lhe faça o uso que quiser, tirando proveito ou descartando. Evito o maniqueísmo entre o mal e o bem, mas certamente os que promovem a dor e sofrimento sobre os outros não praticam o bem. Esse, o bem, é a prática de quem dá a liberdade de cada um afirmar a sua dignidade, num espaço de respeito que é a base de fraternidade e felicidade. E será, pelo menos funcional, assumir que é bom quem pratica o bem e…
Ressalvo ainda que é necessário perceber a armadilha argumentativa de quem, em nome da satisfação dos seus caprichos pessoais ou da, justamente referida atrás, intenção de impor a ditadura da sua opinião pessoal, confunde tudo, criando um limbo viscoso, no ponto em que a liberdade de um se encontra com a do outro. O respeito e a empatia são a varinha mágica que pode transformar esse encontro de limites numa serenidade sem conflito e guerra. Eu, por mim, sempre concordei com os versos de Raul Seixas, na canção “Sociedade Alternativa”, em que diz:

“Mas se eu quero, e você quer
tomar banho de chapéu,
…………………..
Faz o que tu queres
Pois é tudo da lei!”

Neste tempo, sobre o fio de uma navalha, cujas duas faces da lâmina reflectem a destruição ambiental e emancipação tecnológica da I.A., de forma exponencial, que irá humilhar a arrogância intelectual e moral da ilusão da superioridade da inteligência humana, para alguns de nós, cada vez mais se vai afirmando que efectivamente possuímos qualidades especiais que não usamos, porque bloqueamos devido à poluição que as nossas práticas trazem às existências que vivemos. Todos os seres animados e saudáveis possuem os sentidos de que necessitam para desempenharem o seu papel. No nosso caso e de outros animais, a intuição, é uma característica importante que poderia ajudar a uma felicidade universal que estaremos ou não determinados a atingir. A ausência dela e a persistência dos comportamentos a que assistimos e dos atos banais do indivíduo comum, se ligam aos detentores de poder, parece determinar a rota para uma tragédia, pelo menos para nós, já que poderá ser apenas uma mudança de ciclo, com regeneração planetária, adaptando às suas necessidades as formas e modelos de vida adequadas. Essa adequação parece não ser o caso da nossa espécie.

Nestas linhas finais refiro apenas alguns dos tóxicos que poluem as nossas existência bloqueando a intuição e força psíquica, impedindo assim os passos da fraternidade e bem-estar. São modos de comportamento e hábitos de consumo. O narcisismo e o materialismo, com a ambição pelo dinheiro e bens materiais que assegurem manifestações de sinais exteriores que solidifiquem o exercício do poder e a tirania sobre o próximo, assim como a escolha lúdica de actividades de competição e agressividade, como jogos profissionais e federados, vídeo jogos de violência, e concursos e competições, estão entre os comportamentos mais destrutivos. A ingestão de alimentação que desequilibre a harmonia do corpo e drogas que afectem o funcionamento pleno do cérebro estão entre os maus hábitos de consumo. Podemos falar de evitar consumir carne, alimentos fritos e com outros processamentos culinários de difícil digestão, com destaque para os ultraprocessados que até entram nalgumas dietas que se pretendem saudáveis e alinhadas com princípios filosóficos, sendo uma base do comportamento com uma hipocrisia mais ou menos consciente. Da mesma forma o hábito de fumar, seja que tipo de substância, e a ingestão de álcool, ou outros psicotrópicos de qualquer natureza são determinantes para o bloqueio das nossas especiais faculdades interiores.

Refiro ainda que a hipocrisia humana leva a que muitos dos que sobre os outros aplicam as práticas tóxicas, são os que mais pretendem ser irrepreensíveis e dotados de uma espiritualidade pia e santa.
A sociedade actual promove essas aparências cultivadas na composição da fotografia social a exibir nas redes e nos lugares públicos. E na verdade quantas públicas virtudes e vícios privados por aí andam. Com lucidez, o pranoterapeuta Valerio Sanfo, com a sua experiência, diz que todos temos capacidade de usar a nossa energia para ajudar os outros e para isso não precisamos de cursos nem aprendizagens específicas, sendo necessário isso sim a transformação interior e uma consciência dotada. Segundo ele “quem leva uma vida dominada por vícios, dinheiro, egoísmo, quem fuma, quem tem maus hábitos alimentares não pode ser um pranoterapeuta”. Poderá operar algum biomagnetismo, mas nunca poderá exercer o bem na sua plenitude. Se não respeitar profundamente a liberdade e as diferenças dos outros, se não amar toda a Natureza, nunca será mais do que um “pseudopranoterapeuta”, termo que usa para referir quem assim pretende ser o que não pode ser.

Parecendo provável a inevitabilidade do determinismo científico a reger a existência, haja a esperança de que todos os que alertamos para estas circunstâncias estejamos determinados a fazê-lo para abrir espaço a um tempo melhor, que sendo assim, por esta via determinista, estará a caminho.
Não me cabe dizer aqui o que a minha intuição diz. A evidência pragmática dos acontecimentos no mundo actual leva a uma expectativa, mas os milagres resultam apenas de falhas de análise em juízos que se julgam esclarecidos. E assim estamos de novo no conteúdo enunciado nos primeiros parágrafos.

“Quando a última coisa viva
morrer por nossa causa,
como será então poético
se a Terra disser,
numa voz flutuante
erguendo-se talvez
do chão do Grande Canyon*:
“Está feito!”
As pessoas
não gostaram de cá.”

Kurt Vonnegut Jr. (escritor norte americano de ascendência germânica, falecido em 2007)
excerto do poema “Requiem”, incluído no livro “Um homem sem pátria”.
Tradução não identificada na revista “Flauta de Luz” nº7

*em vez do Grande Canyon, poderemos dizer qualquer lugar do mundo em que a nossa espécie  promove a sua acção destrutiva, seja qualquer oceano, deserto ou grande floresta. Imagine-se uma voz sem tempo, a elevar-se, entre neblinas poluídas, das feridas profundas que estão abertas na floresta amazónica.

António Rodrigues


terça-feira, outubro 29, 2024

Porque não preciso mais de terapia

 

Um dia de sol no Parque D. Carlos I, Caldas da Rainha
(Fotografia: Silvia Regina Angerami)

EM CELEBRAÇÃO AOS 21 ANOS DESTE BLOG, COMPLETADOS HOJE (DUVIDO QUE HAJA UM BLOG MAIS ANTIGO EM PLENO, ASSIM COMO O MEU... SERÁ??), PUBLICO O TEXTO ABAIXO, FRUTO DE UMA REFLEXÃO SOBRE A MINHA VIDA ATUAL (espero que seja útil e inspirador para mais alguém) 

* * *  

Correndo o risco de parecer pretensiosa demais aos olhos das minhas amigas e amigos psicólogas e psicólogos, e já a mergulhar em mais uma polémica, atrevo-me a afirmar que sinto na minha alma que não preciso mais de terapia. Atenção! Não se engane. Sou uma defensora da terapia. Acredito que ela pode ajudar muita gente e já me ajudou demais. Ainda recorro, eventualmente, à minha querida terapeuta Márcia, quando sinto necessidade e ela SEMPRE me ajudou e ajuda.

Mas atingi recentemente uma tal clareza de raciocínio, e não só, de sentimento também, que faz com que eu me sinta, finalmente, “em casa”. E olha que nem moro mais no país onde nasci. Há dois anos, no dia de hoje, embarquei para a maior aventura desta minha vida.... Amanhã completam-se dois anos ininterruptos de Portugal. Considero essa marca um feito e tanto.

No começo, quando aqui cheguei, vivia ansiosa, por vários motivos. Porque estava frio e eu não estava psicologicamente preparada para aquele primeiro outono/inverno da minha segunda temporada europeia (a primeira fora em 2007/2008 no Algarve). Porque a reforma da casa não tinha sido concluída, devido a sérios percalços enfrentados pelos nossos senhorios (e não por culpa deles e nem de ninguém, não acredito em culpas). Porque não tinha o visto de permanência e ele demorou mais do que os três meses que temos de praxe. Eu me sentia ilegal, embora estivesse a viver com meu marido português, e isso tirava o meu sono. Porque muitas vezes não entendia o que o meu marido dizia e ele se chateava com a nossa dificuldade de comunicação. Porque… mil outras razões.

Felizmente essa época passou, ficou pra trás. Hoje sou casada legalmente, no “papel” como se diz, entendo 90% do que dizem os portugueses (incluindo meu marido) e me sinto finalmente em casa.

Desde pequena sentia dentro de mim uma espécie de inadequação. Nunca me sentia bem em lugar algum. Na escola, apesar de boa aluna, eu tirava notas boas sem me esforçar muito e não via mérito naquilo. Não era nada demais. Mais tarde, continuei a me sentir sempre uma estranha no ninho na faculdade, nos empregos então, nem comento. Tinha uma vontade inexplicável de mudança, de mudar os móveis de lugar, de mudar de casa. Até que essa vontade de mudança culminou no fim de um casamento de mais de 40 anos.

— Separar agora?? Por que?? Como assim??

Muita gente condenou a minha atitude. Se não frontalmente, porque nós, brasileiros, nem sempre somos frontais (o que não é um elogio), provavelmente pelas costas. Eu sei, simplesmente sei.

Mas eu ainda tinha uma pontinha de esperança de encontrar a paz, e sabia que naquela situação eu jamais a encontraria, pois tinham-se esgotado todas as possibilidades.

Nem digo que queria encontrar o amor, porque não queria. Ou melhor, não acreditava que fosse possível uma pessoa com mais de 60 anos encontrar o verdadeiro amor da sua vida. Se você me dissesse isso, eu iria rir na sua cara. Aliás, foi o que fiz quando a minha amiga e taróloga *Priscilla Tavollassi* me disse que eu ia me casar novamente.

— Quem? Eu?? Kkkkkk

Mas daí, veio o Destino e pumba! Me apresentou ao homem dos meus sonhos e não estou a brincar.

Uma amiga minha da faculdade tinha me contado que fizera uma lista de todas as características do seu futuro amor e que, de fato, ele aparecera em sua vida. Não apenas físicas, mas de caráter e tudo o mais que ela considerava profundamente necessário em um relacionamento.

Fiz o mesmo. Trabalhei em uma lista completa da pessoa com quem eu desejaria me relacionar e esqueci a lista em um dos meus cadernos. Fui viver a vida e aproveitar o momento. Fiz tudo o que eu achava que era meu direito, naquela altura.

Um belo dia (aliás, não foi um dia qualquer, foi no dia do aniversário da minha avó paterna, se ela fosse vida), conheci o meu atual marido e começamos a perceber que havia muito em comum entre nós. Depois de muito tempo, a tal lista reapareceu e eu conferi: estava tudo ali. Menos um item: eu pedi alguém que morasse no mesmo bairro, em São Paulo. E o Destino foi lá e me apresentou alguém a 8 mil quilômetros de distância. Não se pode querer tudo nesta vida…

O que seria uma desvantagem, tornou-se a maior vantagem que eu poderia imaginar. Me mudei e aqui estou eu a viver uma nova vida. No começo, os desafios foram enormes. Enormes e doloridos. Enormes, mas transponíveis. E o nosso profundo amor sustentou tudo. Atravessamos pântanos de dor e de medo. Mas estávamos sempre juntos e de mãos dadas.

E cheguei até aqui, onde estou hoje. Sinto-me acolhida, protegida e amada, como nunca em toda a minha vida. Sinto-me em casa. Aprendi, a duras penas, e diferenciar as coisas que posso modificar das que não posso.

Rezo todos os dias aquela oração atribuída a São Francisco de Assis, que diz assim:

“Senhor, dai-me força para mudar o que pode ser mudado...

Resignação para aceitar o que não pode ser mudado...

E sabedoria para distinguir uma coisa da outra”

Aprendi a enxergar e a aceitar a Vida como ela é. As pessoas como elas são. E a agradecer e a usufruir os dias felizes, calmos e tranquilos que eu vivo por aqui.

(Se ainda não viu, veja o filme Dias Perfeitos, que ilustra muito bem o que eu disse acima)  

Amo o contato maior com a natureza que eu tenho aqui. Amo ver o céu inteiro (e não só uma fatia dele), quer seja azul ou cinzento, a lua, em suas fases distintas, as nuvens em seus formatos variados. As árvores, a vegetação, as minhas plantinhas aqui em casa a crescerem saudáveis, a lagoa de Óbidos, a Poça do Vau, o Paúl da Tornada, o parque Dom Carlos I nas Caldas da Rainha, a mata Rainha D. Leonor, a serra da Amoreira. O mar, o horizonte. Conhecer o país, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, na nossa “latinha” (nosso carro velhinho e econômico).

Tudo com o que eu sempre sonhei faz parte hoje da minha vida. Mas atenção! Não falo de “coisas materiais”. Viver com simplicidade, dignidade e na melhor companhia, isso sim. É isso que vale. Vale a pena viver e usufruir de tudo isso. E eu agradeço, agradeço, agradeço.

Não posso contentar todo mundo. Mas nem Jesus Cristo conseguiu isso, então estou em paz comigo mesma e com a minha consciência. “Paz, amor e saúde “: brindamos a isso com vinho, mas também com iogurte, com o cafezinho, com chás de ervas, com sumo de frutas, com qualquer bebida.  

Portanto, no meu caso, agora, em especial, a terapia não é mais necessária. Isso não é maravilhoso??

Meu conselho (que ninguém pediu, mas eu dou assim mesmo) é:

Faça o que o seu coração mandar. Ele geralmente não se engana. E não tente contentar todo mundo. E, se preciso for, faça terapia, que também ajuda. 


sábado, outubro 26, 2024

À volta da fragilidade linguística


No Museu Amadeo Souza Cardoso, em Amarante
(Fotografia: @António Rodrigues)

Meu marido, o António Rodrigues, é português, como muitas pessoas que me acompanham já sabem. Foi por amor a ele que me mudei para Portugal. E ele escreveu um texto sobre o tema central que me motivou a escrever o post do dia 9 de outubro. Por ser um tema um pouco polémico, creio que quanto mais lados desse poliedro vierem à tona, melhor. Vamos ao texto dele:  

Há já muito tempo que a minha consciência despertou para as insuficiências e perigos da linguagem humana, ou da sua subjectividade quando as palavras expressam conceitos que, por razões diversas, psico-emocionais, contextuais, de geografia ou grupo social, a mente de quem ouve ou lê interpreta da forma que mais lhe faz sentido ou, simplesmente, lhe convém. As motivações resultam de factores para além do carácter de cada um, apesar dele também influenciar. As reacções e atitudes, no que se situa para além da razão simples, expressam a essência da pessoa.

Há poucos dias, lendo Sapolsky, acerca do comportamento humano, encontrei uma reflexão que vem em linha directa com as mnhas convicções já antigas. Cito-o, na tradução de Giovane Salimena e Vanessa Barbara, para a editora Temas e Debates. No livro "Comportamento", acerca das dificuldade de comunicar com palavras que referem sentimentos ou conceitos com ligações emocionais a sensibilidades pessoais:

"Tudo isso nos lança para um lamaçal de pântanos designativos.

Porquê a dificuldade? Conforme foi enfatizado na introdução, uma das razões e que muitos destes termos se tornaram campos de batalha ideológicos sobre a apropriação e distorção do seu significado.

As palavras têm poder e tais definições são carregadas de valores, muitas vezes idiossincráticos."

Nos últimos dias, a minha esposa publicou no seu blog, com uma ligação no Facebook, um texto em que reflete sobre a sua experiência de vida em Portugal nos últimos dois anos. Por via do entusiasmo com descobertas imensas de uma nova geografia, de novos usos e costumes, de novas gentes e atitudes, expressou-se de forma um tanto impulsiva e ingénua usando terminologias suceptíveis de equívocos. Nestes dois anos de vida em comum comigo, neste país, conheceu centenas de locais, viu as diversas geografias e suas paisagens, tomou contacto e foi bem acolhida por dezenas e dezenas de pessoas, que lhe deram a conhecer, de forma profunda, o tecido humano português. Neste momento, posso afirmar com segurança que ela conhece melhor Portugal do que muitos portugueses. Isso tem sido confirmado pelas conversas com amigos nossos que, sendo viajados, desconhecem ainda alguns locais onde já fomos. Só está ainda para ela descobrir uma pequena zona do Baixo Alentejo, onde a seu tempo iremos. Na sequência de uma alargada viagem recente, no calor da emoção, falou da cultura de Portugal versus a do Brasil, de forma imprecisa, com um texto que dada a delicadeza do assunto, precisava de mais estrutura. Afinal, não era exactamente, de cultura que se falava, mas de um "status" comportamental, nalgumas zonas geográficas, devido a políticas sociais acumuladas e a miscenizações de comportamentos e costumes, com alguma determinância do peso da influência norte-americana. Isso acrescido da memória histórica recente, apenas nessas zonas, dado que as outras são antigas e ricas, e da descaracterização cultural, pela entropia das multiplicidades. Isso levou a uma reflexão que só pecou por alguma generalização imprecisa.

Ela não precisa de que eu venha a campo para afirmar a sua visão clara e empática com o território que lhe foi berço e com os povos que o habitam. Eu sei da sua bondade interior e sensibilidade compassiva. O amor consegue ver isso, mesmo em circunstâncias adversas. Mas ela não precisava que eu aqui viesse dizer isto. É uma mulher inteira e vertical, capaz de esclarecer as dúvidas a quem as tem. Simplesmente, uma vez que tudo passou para a esfera pública eu, que sou o portugês com quem ela se casou, o marido nascido neste Portugal em que ambos habitamos, sobre mim, cai alguma inevitável suspeita de ser a origem de hipotético discurso justificativo. Como assumo a responsabilidade por tudo o que penso e faço, e recuso tudo o que me pode ser falsamente imputado aqui venho, colocar a claro algumas situações.

Em primeiro lugar, quero falar do meu conceito de cultura. O tema sempre me interessou. Fiz, há décadas, uma formaçao sólida em Ciência Política e as Ciencias Sociais sempre me interessaram. Entre 2014 e 2020 trabalhei com a estrutura do poder local, na zona em que habitamos, em actividades de produção e animação cultural que envolveram até algum estudo e investigação de raizes e costumes. Fui editor de uma revista local, onde geria e criava conteúdos. Justamente, no número de despedida, em 2020, escrevi um artigo, sobre o tema, com o título: "Do que falamos quando falamos de cultura?"

Desse artigo refiro dois excertos:

"A consciência que me parece fundamental ter acerca da Cultura, é enquanto ela se constitui como um suporte de identidade de um povo ou, em escala mais restrita, de uma comunidade, como registo vivo e dinâmico das suas tradições e memórias.

A Cultura é hoje observada sob diversas perspectivas. Para ela olham os Sociólogos, os Historiadores, os Economistas, os Agentes de Comunicação, os Políticos…

A cada um deles corresponde uma forma de observar e tratar as realidades culturais."

"Aceitando a visão exposta do que é Cultura, resulta claro que não há pessoas com mais ou menos cultura (conhecimento e informação são outras coisas), nem culturas melhores ou piores, superiores ou inferiores. Cada grupo humano possui a sua Cultura única, com valor estrutural próprio e não comparável, que foi construída através da sua história e terá de ser entendida e respeitada."

Perante este esclarecimento, e sabendo de que estamos os dois de acordo, dado o que a própria Silvia já me disse dessa concordância, a cultura de um local ou grupo não está em competição com nenhuma outra e não é nenhum jogo de futebol, não marca golos em balizas mentais, sendo que essa indústria (o futebol) pode ser vista como uma face da cultura, dispensável num mundo melhor como todos queremos, em que os jogos seriam todos amigáveis e todos saberiam perder quando fosse o caso e seriam generosos quando ganhassem. mas essas são as faces negras de alguma cultura em que também entram as touradas e outros costumes bárbaros de iniciação e rituais de passagem em certos grupos sociais. A cultura como tudo e todos os grupos de gente tem do melhor ao pior, sendo o bem o que promove a felicidade e alegria e o mal a origem da dor e sofrimento, a pressão indevida sobre o próximo.

Quanto à cultura do Brasil tenho-a em alta consideração e não é de agora. Há décadas atrás assisti a todos os concertos, acontecidos em Portugal, de Egberto Gismonti quando no Brasil lhe davam pouca atenção. Ouvia Villa Lobos, na área clássica, Hermeto Pascoal, e outros mais conhecidos da MPB. A Silvia surpreendeu-se, quando me conheceu, com o meu conhecimento e apreço pela actividade literária no Brasil, pelo interesse pelas culturas dos povos indígenas. Tenho diversas publicações sobre poesia das tribos amazónicas e costumes agrícolas de outros locais do país. Lamento, sinceramente, as intervenções colonizadoras dos europeus pelo mundo, e a isso não escapa o Cabral, no Brasil. Mas a história não se pode mudar. Não podemos transformar as Cruzadas em Descruzadas e fazer desaparecer a dor imensa que rasga o mundo árabe e outras zonas sensíveis do planeta. Mas quanto ao Brasil, precisamos ser honestos. Os únicos que possuem legitimidade para apontar um dedo aos primeiros colonizadores portugueses são os indígenas. Todos os outros brasileiros de hoje, resultam de segundas colonizações, de uma invasão de europeus italianos, alemães, holandeses... Todos foram, como se diz por cá, "chupar da teta da mesma vaca" e expropriar o índio ingénuo das suas riquezas e valores, delapidar a terra e abalar a cultura profunda desses autóctones. Nenhum português de hoje ou brasileiro de outras origens, incluindo Portugal, deve suportar um estigma com cinco séculos. Qualquer dedo apontado é uma hipocrisia ilegítima.

Os meus inúmeros bons amigos brasileiros sabem o que penso e não precisariam desta explicação, mas sinto que a devo. Sobretudo a eles, os de bom entendimento do próximo e das diferenças compatíveis. As mentes abertas, serenas, inclusivas e tolerantes, com uma sensibilidade humana bem estruturada. O Brasil é um mundo cheio de gente boa, com um carácter extraórdinário, mas, tal como em Portugal, também há os outros. Como disse acima, sou permanentemente interessado por Ciências Sociais desde jovem e sei que as generalizações são sempre origem de erros graves e injustiças profundas. Isto é especialmente verdade quando um país tem um território tão vasto, que mais é uma confederação e as realidades são díspares. Mas um facto é que há padrões de comportamentos dominantes (isso merece a atenção da sociologia) em cada zona e grupo social com fronteiras de coesão estrutural, sendo que isso determina alguns comportamentos recorrentes com características observáveis sob a peneira da análise crítica.

Desejos de tempo feliz aos de boa vontade.

António Rodrigues 

sexta-feira, outubro 11, 2024

Mais sobre Portugal

Fiz essa fotografia com o telemóvel, nas Fisgas de Ermelo,
nas margens do rio Olo, (acredite) sem nenhum efeito especial

Nossa, eu não poderia imaginar que o meu post anterior iria tão longe!

Recebi um comentário, que eu amei, do amigo Bernardo Nunes (pseudônimo). Diz ele:
Adorei Silvia!! Ainda lembro como nos encontramos, e como ficava espantada como o meu linguajar, uma mistura de português com sotaque algarvio! Terá sempre a minha amizade, estima e admiração! Deste seu amigo que lhe apresentou um pouquinho desta cultura portuguesa, talvez os seus primeiros contactos diretos! Um abraço para si e seus

Esse meu querido amigo foi a figura mais importante, sem dúvida, na minha primeira estadia aqui em Portugal. Ele ajudou tudo em tudo (e mais um pouco) o que estava ao seu alcance. Um Amigo com A maiúsculo, mesmo, sabe? Dessas pessoas que fazem coisas concretas e importantes para ajudar de verdade. Amigos assim são raros e a gente tem mais é que cultivá-los vida afora.

Mas não tive apenas reações simpáticas. Quando escrevi, eu sabia que estava tocando em alguns pontos sensíveis e polêmicos. Recebi este comentário anônimo:

Por que você precisa depreciar o Brasil para elogiar Portugal? Dizer que a cultura e a educação deles “dá de zero” à do Brasil é fazer exatamente o que você diz que os brasileiros fazem com os portugueses quando os chamam de “burros”. Cada cultura tem o seu valor e o povo de cada país é certamente muito feliz dentro da sua cultura e suas tradições.

Eu respondi o seguinte:
Porque eu posso fazer uma declaração polêmica no meu espaço de expressão. Porque é essa a minha opinião e eu tenho todo o direito de expressá-la. Porque é verdade. É a dura e crua verdade. Nós, brasileiros, nos achamos grande coisa. Mas a nossa cultura (educação) é pobre, muito pobre, diante da cultura (educação)  europeia. Infelizmente, é assim... Talvez eu tenha confundido cultura com educação e são coisas diferentes, de fato. Mas aqui muitas vezes eu sinto vergonha alheia quando vejo o baixo nível (sob ambos os aspectos, cultural e educacional) dos brasileiros que aqui estão a tentar construir uma vida melhor para si próprios, seus descendentes e às vezes até para os parentes que ficaram no Brasil. É muito triste, mas é a verdade. E a verdade nua e crua às vezes nem é bonita. Só que isso não é depreciar. Mas sim olhar com frontalidade. Admitir que é assim. E isso não me deixa nem um pouco feliz. Se você, anônimo, quer saber... fico bem triste com essa constatação.
Agora, tradições... Hummm, pegue, por exemplo o bairro de Pinheiros, com aqueles enormes arranha-céus e seus estúdios de 20 metros quadrados. Cada vez mais a paisagem da "minha" cidade deixa-se dominar por esses monstros de vidro e cimento. Onde foram parar as casinhas de vila (onde eu mesma morei e fui feliz durante alguns anos)? O comércio local? Ou, em outras palavras, a nossa tradição? E posso estender a pergunta a vários outros bairros de São Paulo, As construtoras dominam o urbanismo, que não existe. Nossa história e nossas "tradições" se perdem em cada esquina. Aqui, tudo é muito diferente. Tudo permanece. Tá bom que metade do país (modo de dizer) está em ruínas de pedra, casas que o tempo destruiu. Mas que, veja só, os próprios brasileiros estão comprando e reconstruindo. Isso eu acho incrível. Tem um monte de canais no YouTube de brasileiros que compraram casas aqui, caindo aos pedaços, e, a duras penas, reconstroem tudo com as próprias mãos. Tem isso também. Tem muito pra contar, pra dizer dessa experiência de mudar de país.
Obrigada pela indignação e pela pergunta, caro Anônimo. Seria legal e educado me dizer seu nome.

Depois, fiquei sabendo que era a minha filha – imagine – que me respondeu pelo Facebook e continuou a desenvolver o raciocínio dela:

Meu nome é Biba. E vergonha eu tenho de você por falar isso sobre o seu país. O Brasil tem dimensões continentais e você está reduzindo ele ao bairro de Pinheiros? Sério? Isso que São Paulo é literalmente uma das cidades mais multiculturais do mundo. Como você tem coragem de dizer que nosso país não tem cultura? Quanta cultura a gente não tem na Amazônia, Pará, na Bahia, Recife, e etc? Como você não valoriza um país com uma cultura riquíssima influenciada por povos originários indígenas, povos africanos e até os próprios Europeus que você tanto admira? Temos um legado mundial no âmbito da música, da culinária, das artes, artesanatos, literatura, festas tradicionais em todas as regiões do Brasil. Vergonhoso é você ter coragem de dizer que você sente vergonha alheia quando vê brasileiros estão a tentar construir uma vida melhor para si próprios, seus descendentes e às vezes até para os parentes que ficaram no Brasil. Pensa bem. Esse papo saudosista de "era bom quando" é vazio e não se sustenta. A gente está em 2024, o tempo passa, as coisas mudam. Quando você acha que "era bom quando x", para muitas pessoas mais velhas naquela época também "era bom antes de x". Envelhecer é mudar. O mundo está em constante mudança e rejeitar isso é rejeitar a vida como ela é. E você que se sente tão orgulhosa por aprender novas palavras, devia também aprender a se adaptar às mudanças da vida, afinal você nunca vai conseguir combatê-las. E digo mais, é contraditório você esperar que as coisas continuem sempre iguais. Em Portugal, "tudo" não permanece também. Como você mesma disse, existem casas em ruínas que os próprios brasileiros (dos quais você tem vergonha) estão reconstruindo. Os jovens estão indo embora, o país, de norte a sul está sendo tomado por estrangeiros que aumentam a especulação imobiliária e fazem com que idosos não consigam mais pagar as suas rendas. Na zona onde eu moro, em Carcavelos, estão acabando com uma área de preservação ambiental para fazer 8 torres de prédios, um hotel e um shopping center. Como que "tudo permanece" em Portugal? Pelo amor de Deus. Discursinho vazio e xenofóbico com o seu próprio povo o seu. Parabéns.

Eu:

Ahh era você!!! Mas sim, a questão é muito mais complexa do que o que eu escrevi e o que você acrescentou (tirando os adjetivos que usou para me colocar em alguma “caixinha” onde eu não caibo) complementa muito bem, Biba. Concordo com tudo o que você falou também. Mas eu acho que você não entendeu muito bem o que eu escrevi lá no blog. Senão tinha dispensado esses adjetivos pouco elogiosos que usou pra mim. Eu não desprezo de jeito nenhum o Brasil e muito menos os meus conterrâneos, os pobres brasileiros. Só lamento que todos os políticos que governaram aquele país não conseguiram criar condições de educação dignas para toda a nossa população. Lamento profundamente que a nossa educação seja tão fraca. É isso é o que verifico aqui. Mas eu vejo muito valor na nossa gente e na coragem que muitos têm de vir tentar melhorar a vida por aqui. Como eu falei no que escrevi para você. A realidade não é simplesmente preto e branco. É colorida e tem muitos lados. Portugal tem muitos problemas também. Essa questão da moradia é um deles. Bom… acho que isso daria um livro. Vou parar por aqui.

A resposta dela foi:

Eu usei as palavras que você mesma usou para se referir aos brasileiros aos quais você sente vergonha. E eu não me referi a você no meu comentário, mas ao seu discurso. Porque você elogiar Portugal é uma coisa, agora você fazer isso depreciando o Brasil, a cultura brasileira e o povo brasileiro, é outra bem diferente. Já bastam pessoas estrangeiras mal informadas falando mal do nosso país, você não precisa se juntar a eles e aos argumentos vazios que eles tem. Eu entendi muito bem o que você escreveu, mas me atingiu diretamente e me machucou. Talvez você não tenha se expressado da maneira que você pretendia.

Agora você fala de política, acessos etc, mas no seu texto e no seu comentário você não abordou nenhuma dessas temáticas e foi a eles que me referi. A educação brasileira pode ser fraca em termos de sermos um povo “culto” (no que se refere ao tradicional), mas ainda somos um povo educado. Somos um povo alegre, um povo que se diverte com pouco, um povo completamente aberto às diferenças, aberto a aprender, somos interessados. Somos hospitaleiros com estrangeiros, curiosos com diferentes culturas. Acho que tudo isso pode valer muito mais do que sermos “um povo culto”. Tenho muito orgulho de ser brasileira!

E eu:

Pois é... Não coube tudo nesse meu primeiro post. Eu vou voltar ao assunto. Uma parte do que você fala é verdade. E os portugueses também são parecidos conosco, em muitos exemplos que você dá. Inclusive, muitos dos nossos comportamentos herdamos deles (para o bem e para o mal, atenção!). Mas as generalizações é que são o problema. Por isso que eu falei que era melhor escrever um livro.

Vou fazer outro post, mais completo, e vou levar em conta tudinho o que você falou. Eu também tenho muito orgulho de ser brasileira. Muito. Eu escrevi no calor da emoção do momento. Não tive a intenção de ferir ninguém, muito menos a minha filha. Eu me vali de uma expressão em moda hoje, que é o "lugar de fala", Posso falar do Brasil e dos brasileiros, justamente porque sou brasileira. Posso falar de São Paulo, porque sou paulistana. E posso falar de Portugal porque moro aqui. Portanto, eu só falo do que me sinto confortável para falar. Não posso falar do Pará (nunca estive lá) e nem da Bahia, que já visitei, mas pouco conheço. Enfim... essa conversa vai longe.

Ela ainda me disse:

Se você não conhece todo o Brasil, é complicado você se dar esse lugar de fala para falar do Brasil e dos Brasileiros.

E eu:

Então quer dizer que só quem conhece o Brasil inteiro pode falar do Brasil? Esse conceito exclui muita gente. Não acha? O fato de eu ser brasileira não me credencia a falar do Brasil que eu conheço?

Marjorie / Biba:
Mas você não falou do Brasil que você conhece. Você generalizou o Brasil inteiro como se ele todo fosse o Brasil que você conhece.

Eu:
Eu errei. Vou escrever mais para tentar corrigir esse mal entendido. Vou fazer esse adendo.

Ela achou que meu post deprecia o Brasil. Não concordo. Não quero depreciar o Brasil, só quero olhar para o país com objetividade, com imparcialidade e ver que ele tem qualidades e também defeitos (muitos). A cultura brasileira “verdadeira” tem o seu valor. Mas o que é a cultura brasileira, hoje em dia? O que vejo é uma cultura dominada por estrangeirismos – de um lado – e por uma falta de educação atroz – de outro. Falta educação ao brasileiro para que ele possa apreciar a arte, a literatura, a música clássica. Fico triste com isso. É uma questão complexa, que tem inúmeros fatores a influenciar o nosso pobre país. Sem falar nos políticos corruptos, eleitores pouco preparados, discursos de medo e de ódio, fake news, etc, etc, etc.

Sinto uma enorme compaixão pelo Brasil e pela nossa gente. Um povo alegre e feliz, como diz a minha filha, mas grande parte da nossa população não tem condições minimamente dignas de sobrevivência. Isso me deixa muito triste. O abismo social no Brasil é profundo e extremamente doloroso.

Dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2023 revelam que “o Brasil é conhecido por sua alta concentração de renda, onde o 1% mais rico da população detém 28,3% da renda total, tornando-o um dos países mais desiguais do mundo”. Como não se entristecer diante desses números?

Cada brasileiro desses 600 mil que decidiram mudar de vida e vir para cá merece todo o meu respeito e admiração. Mas é verdade também que quando muitos deles começam a falar, me dá tristeza (que eu erroneamente, segundo a minha filha, chamei de vergonha alheia, no outro post). Para mim, a vergonha alheia significa justamente me identificar com aquela pessoa do meu país e perceber que ela não teve acesso a uma boa educação, a leituras, a diferentes manifestações artísticas e, assim, fica em desvantagem aqui na batalha por um lugar ao sol, uma vida digna e boa.

A falta de educação (e não de cultura, porque eu confundi esses dois conceitos diferentes) é lamentável. Que falta que faz um ensino de qualidade!

Meu genro também fez um comentário no Facebook:
Nossa cultura da de 10x0 sogrinha. A única coisa que o mundo conhece de Portugal é o Cris. Agora sobre o Brasil....

Eu:
Eu sabia que estava a ser polêmica! Rsrs Nunca quis menosprezar o Brasil e talvez tenha misturado um pouco os conceitos de cultura e educação. Esse foi o meu erro.

Ele concordou comigo:
Acho que sim. 

Depois, também uma leitora do meu livro Destino Algarve me disse no Facebook: Te admirei muito por causa de seu livro, achei muito interessante. Mas não concordo com suas opiniões políticas.

E eu respondi:
Tá ótimo! Eu nem espero e nem quero que as pessoas concordem comigo. Não levanto bandeiras. Só me dou ao direito de expressar meus pensamentos e sentimentos e acho que todo mundo deveria fazer o mesmo. Pensar, refletir, chegar às suas próprias conclusões. Por isso ainda mantenho meu blog ativo, para escrever quando eu quiser, sobre o que eu quiser e sentir vontade. Tudo é tão efêmero nessas redes sociais. No blog, pelo menos, fica lá (aqui). Dá pra voltar depois de anos, reler, repensar...

Com esse post gigante, quero deixar registradas aqui diversas opiniões e dados sobre as novas relações Brasil – Portugal.

O objetivo é que cada um leia, pense, reflita e tire as suas próprias conclusões.

Só não permito que sejam “colados” em mim rótulos, tais como que meu discurso é vazio (não é) ou que eu sou xenofóbica (era só essa que me faltava… xenofóbica, eu?? Nesse caso eu teria ficado quieta no Brasil e nunca teria me casado com um português, ora essa…)

Também nunca manifestei que “antigamente que era bom” – não é nada isso. Eu sou a pessoa mais adepta a mudanças deste mundo. Tanto que mudei a minha vida de cabeça para baixo, aos 64 anos de idade. Amo mudanças. Menos as que desrespeitam a história e o legado arquitetônico, urbanístico, sociológico, cultural, humano etc. dos nossos antepassados. Espero ter sido mais clara e ter feito uma abordagem mais completa desta vez.

E você? O que pensa sobre essa invasão dos brasileiros em Portugal? Será que eles aproveitam o fato de estarem na Europa e conseguem aproveitar pelo menos parte da cultura do país que os acolhe?

quarta-feira, outubro 09, 2024

A cultura portuguesa

Visitei o Museu Nacional Grão Vasco, em Viseu
(fotografia: @António Rodrigues)
Instagram: @antoniorodrigues_arte

Morar em Portugal é uma coisa. Morar em Portugal com um português é outra completamente diferente. Posso fazer essas afirmações, porque vivi aqui as duas situações. Agora, vivo a segunda e me deparo com um vocabulário rico e muito diferente do meu. É tudo português. Só que não.

Em geral, os brasileiros que se mudam aqui para Portugal (e são muitos, reportagem publicada recentemente na imprensa brasileira indica que a estimativa atual e provisória para este mês de setembro de 2024 é de cerca de 600 mil conterrâneos a morarem por aqui; os dados oficiais deste ano só serão divulgados em 2025) organizam-se em “guetos” e não mergulham de cabeça na cultura portuguesa. A maioria sai do Brasil, mas o Brasil não sai deles. Continuam a usar as mesmas palavras, adotam algumas mais óbvias, do tipo telemóvel e casa de banho, mas não vão muito além disso.

Nós não sabemos quais são as histórias que os adultos de hoje ouviram quando eram miúdos. Nós não conhecemos as gírias, nem as mais antigas. Não temos a mesma relação afetiva que eles mantêm com o bolo de arroz, embrulhado no mesmo papel branco e azul há décadas. Quando ouvimos dois portugueses a conversar entre eles, acabamos perdendo o fio da meada no meio da conversa, porque uma ou outra palavra (ou expressão) sempre nos pegam desprevenidos. Não é só o sotaque. É o repertório, são as leituras que eles fizeram e nós não. As músicas que eles ouviram e nós não. As comidas que eles comeram e nós não.

A vantagem clara que eles têm sobre nós é a popularidade alcançada aqui pelas telenovelas brasileiras. Essa é a vantagem. Como consequência dessa popularidade, eles nos conhecem muito melhor do que nós a eles. E não adianta nada vir com as tolas piadas de portugueses que gostamos de contar no Brasil, ou a querer chamá-los de “burros” ou coisa parecida, porque na realidade a relação é diametralmente inversa. A cultura deles dá de 10 a zero sobre a nossa. Nossa educação está tão distante da deles quanto a distância e a largueza do Oceano Atlântico que separa os dois países. Não se trata de culpar ninguém (embora eu tenha uma grande vontade de culpar todos os governos dos últimos 66 anos, que é o meu tempo de vida… Será que nesse tempo todo não poderiam ter cuidado melhor da educação das nossas crianças naquele meu país?). Mas é uma dura constatação. Essa é a mais pura verdade. Por isso, meu conselho aos brasileiros que já estão aqui e aos que quiserem vir é que procurem conhecer melhor Portugal e se integrar de verdade ao país.  

Pela minha experiência de 2017/2018 no Algarve e agora desde 2022 na região Oeste (Óbidos), eles nos recebem muito bem, de braços abertos. Existe um certo paternalismo, até. Nós conseguimos reconhecer a influência e a herança dos portugueses na nossa cultura brasileira. Tem muita coisa que coincide. Mas tem também muita coisa diferente.

Para mim, particularmente, esse aprendizado diário de novas palavras e o meu interesse genuíno pela cultura daqui representa uma verdadeira fonte da juventude. Meus neurônios precisam rebolar para dar conta de absorver tanta coisa nova. Por isso, costumo anotar as palavras novas em um caderninho. E procuro também adotá-las no meu vocabulário.   

Eu, que não gostava de História, porque achava que era apenas uma coleção de datas, mudei de ideia e vi que um povo que conhece e valoriza a sua própria história tem mais condições de ter uma participação política mais consistente, mais consciente, entre outras inúmeras vantagens.

Termino esse meu post/desabafo em meio às notícias de um furacão de categoria 5, o Milton, a chegar à costa norte-americana da Flórida e a rezar para todos os santos que a Natureza não faça tantos estragos como é esperado. Que vidas sejam poupadas, e que tudo volte ao normal o quanto antes.

segunda-feira, agosto 19, 2024

Baú da felicidade (felicidade de quem?)


Imagine… Aquelas pessoas mais simples, ingênuas, sem educação, sem saúde, com um salário miserável. Claro que eram presas fáceis para comprar um carnê do Baú da Felicidade. Quem não quer poder comprar a Felicidade e pagar em suaves prestações mensais? Alguns eram sorteados e participavam do programa daquele apresentador de TV famoso, que enriquecia às custas da ingenuidade do povo brasileiro. Nem todos os que participavam do tal programa ganhavam alguma coisa. Mas só os poucos minutos de “fama”, e olhe lá. Enquanto isso, o grande comunicador enriquecia. Ele sim, enriqueceu tanto que até “comprou” (ou será que “ganhou”) uma rede de TV só dele. Como a concessão das TVs era coisa do governo, o nosso “grande comunicador” teve a ambição de virar político. Mas não um político qualquer e logo concorreu à presidência da República. Não ganhou (ufa!).

O engraçado é que no Brasil, todo mundo que morre, vira santo. Da noite para o dia. Isso tem a ver com hipocrisia social. É deselegante criticar uma pessoa que já morreu, mesmo porque ela não tem mais como se defender. É verdade.

Mas uma dose de bom senso, uma dose de ver as coisas com clareza e objetividade é positiva (e não negativa) para o nosso povo. Tão ludibriado, tão enganado, tão ingênuo, tão manipulável. Dá pena.

Hoje em dia, acho que seria crime vender um carnê enganoso daqueles. Mas todo mundo se esquece. Eu acho muito engraçado, isso.

Não sei se ele era boa ou má pessoa, não me cabe julgar ninguém, principalmente quem já morreu. Mas o endeusamento me causa estranheza. Eu sempre achei aquele programa uma breguice total. Não só o programa dominical, como quase toda a programação daquela emissora de TV. Era material feito para as “massas”, sem a menor qualidade. Uma tristeza. Bom, é isso. Não aguentei ficar calada depois de ver tantos posts nas redes sociais a endeusarem um ser humano cheio de falhas e de “malandragens” que o levaram à riqueza, enquanto seus “clientes” do Baú da Felicidade encontraram é mais infelicidade nas suas vidinhas. Quero ser essa voz dissonante, aqui nesse ciberespaço que pertence a todos e a ninguém. 

Havia também aquele programa em que candidatas à Cinderela ficavam à espera do “príncipe encantado” capaz de mudar as suas vidas miseráveis, com presentes como fogão, geladeira, enxoval, e sei lá mais quê… Uma era escolhida, as outras duas voltavam para casa sem nada, de mãos abanando. Isso, para mim, se chama perversidade.

Enfim, eu mantenho o meu blog para falar o que eu quiser. Ninguém lê, mesmo. E é até melhor que seja assim, porque não quero comprar brigas, apenas quero expressar o meu ponto de vista. Aqui é o meu espaço, meu diário de chavinha, dos anos 70. 


quinta-feira, julho 25, 2024

Dia do escritor e Dia Fora do Tempo


Escritor(a) é aquela pessoa que tem tanta intimidade com as palavras que não sente medo algum da página em branco.

Escritor(a) é aquele que encara a página em branco como o palco onde ele faz bailarem as suas palavras, escolhidas a dedo, para emocionar, denunciar e até mesmo curar.

Escritor(a) é aquele que escreve porque é inevitável.

Escritor(a) é quem possui uma varinha mágica (tanto no sentido que usamos no Brasil, quanto no sentido usado aqui em Portugal — ou seja, um mixer) para lidar com as palavras e as sentenças de um jeito próprio, como ninguém mais consegue repetir ou imitar.

Escritor(a) é quem tem a coragem de vomitar em público seus pensamentos e sentimentos por intermédio das palavras, arriscando-se a encontrar nesse público aqueles que se identifiquem com a sua expressão.

Portanto, amigas e amigos, escritores atuais e futuros, sintam-se à vontade com as palavras. Escrevam, escrevam e escrevam. A minha dica de hoje vai para um site muito bacana, que eu adoro, onde você pode escrever um e-mail para você mesmo, no futuro. Quando você menos esperar, lá estará o seu próprio e-mail na sua caixa de entrada, a relembrar as suas questões atuais, que no futuro terão outra relevância completamente diferente. A vida é dinâmica e o tempo tem as suas dobras. Aproveite o Dia dos Escritor e escreva para você mesmo. Você vai se surpreender e se emocionar.

Além disso, na cultura maia, hoje é o Dia Fora do Tempo. Para saber mais, entre neste link

sábado, julho 20, 2024

Façanha digna de post!

Ultimamente, não tenho vindo muito aqui ao blog, por vários motivos. Primeiro, tenho feito outras coisas da minha vida e tenho priorizado a vida offline. Sei lá onde a Inteligência Artificial vai nos levar, e um belo pedaço da minha vida já está exposto aqui. Então resolvi diminuir minha presença online. Segundo, ninguém lê. Ninguém está nem aí com o que eu tenho a dizer (escrever). E estão certos. Eu me recolho à minha "insignificância", rsrs 

Mas preciso deixar registrada aqui uma das maiores façanhas que já vi com as minhas retinas cansadas, afinal, são 66 anos de vida até agora. Ontem, o meu filho me mandou esse vídeo no WhatsApp e eu precisei ver várias vezes. 

-- Cadê as rodinhas? 

Não, não tinha rodinhas. Ela estava andando de bicicleta com duas rodas, com a maior desenvoltura desse mundo. Outro filme passou na minha cabeça. Lembrei de quando o Tom aprendeu a andar de bicicleta, eu queria ir correndo atrás dele para o segurar, caso desequilibrasse. E lá estava a Olívia, do alto dos seus 4 anos de idade, no meio da maior movimentação de bicicletas, dando voltas e voltas na pista, na maior, fazendo curvas e tudo o mais! De primeira! Meu queixo caiu e está caído até agora. Nunca vi nada parecido em toda a minha vida. Essa minha netinha é mesmo um fenômeno. Só pode ser. Vai ver ela é daquela geração "cristal" ou algo parecido. 

Parabéns, querida Oli! Estou orgulhosíssima da sua coragem e habilidade. Vocês sabem, eu pertenço a dinastia das avós corujas, é claro, Aliás, como todas as avós, eu imagino. Espero que dê para ver no vídeo, que não me deixa mentir (se bem que tudo hoje pode ser fake, mas este eu garanto que não é!)