Outro dia
vi o filme Viva, a Vida é uma Festa, da Disney e adorei. O filme baseia-se
no feriado mexicano de Dia de Los Muertos. Foi o ponto de partida
para uma reflexão sobre as pessoas que passaram pela minha vida, deixaram saudades
e boas recordações e que eu quero homenagear neste meu post quilométrico.
Primeiro, agradeço ao meu marido António Rodrigues que fez
esta arte maravilhosa aqui em cima especialmente para o meu post. Ficou linda,
né??
Deixei muita gente de fora, porque decidi me concentrar apenas
na família, desta vez. Hoje seria aniversário de 117 anos da minha avó Flora. É
uma boa data para o post.
Morei com os meus avós paternos Flora e Mário até a
separação dos meus pais, quando eu tinha de 15 para 16 anos, e por isso eles estão
na prateleira lá do alto. Em seguida, estão os meus avós maternos Norberto e
Irene. Na terceira prateleira, estão o meu tio-avô Domingos (o tio Mingo), e a terceira
mulher dele, a tia Cida. Em seguida vem a Alayde, minha madrinha de crisma, que
não é exatamente da família, mas é como se fosse. E, finalmente, a avó dos meus
filhos, minha sogra, a dona Florência.
Neste post, quero fazer uma homenagem a cada um deles, que
se foram, mas nunca foram esquecidos.
Flora
Minha avó paterna sempre me contava muitas histórias da sua infância
em Mococa, e eu pedi para ela escrever, pois achei que eu ia esquecer tudo, e
foi o que ela fez. Escreveu tudo a lápis, com a letrinha dela em um fichário e
eu consegui publicar o livro Flora, minhas memórias, na Casa de Cultura de
Mococa, em 2013. Ela era muito séria, mandona e exigente, mas também muito
dedicada a mim. Vovó Flora, muito obrigada por ter coado tantas vezes o feijão,
para eu comer só o caldinho. Obrigada por ter costurado aquelas roupinhas novas
para as minhas bonecas em um Natal. Obrigada por ter me ensinado a bordar e a
cerzir meias. Obrigada pelas bananas fritas que a senhora fazia e que eu
disputava com o meu pai pra ver quem comia mais. Obrigada por aquela lindíssima
colcha de crochê que a senhora fez pra mim. Eu me arrependo amargamente de não
tê-la conservado comigo. Era maravilhosa! E hoje eu sei o trabalho que dá fazer
uma parecida. Obrigada pelas almofadas em ponto cruz, por bordar as minhas
iniciais em toalhas de banho e de rosto, para o meu “enxoval”. Obrigada por
aquela colcha de retalhos que a senhora fez pra mim e muitas outras coisas. Obrigada
por deixar pra mim aquela bolsinha de metal dourado, com seu nome gravado, que a
senhora usava nos bailinhos da sua juventude. Vovó, eu nunca vou te esquecer.
Mário
Filho de italianos, meu avô Mário era a bondade em pessoa.
Amava as crianças, não tem um sobrinho ou sobrinha dele que não tenha boas
recordações do tio Mário. Com aqueles seus olhos azuis, ele adorava contar
histórias engraçadas e brincar com as
crianças, e comigo não era diferente. Vovô, obrigada por passear comigo tantas
vezes na calçada da rua onde morávamos, por fazer apitos para mim com o caule
de matinhos que nasciam do outro lado da nossa rua, por apontar os meus lápis e
descascar as laranjas. Obrigada por colher e me dar aquelas flores chamadas
brincos de princesa, que faziam com que eu me sentisse uma verdadeira princesa.
Obrigada por fazer cataventos para mim. Obrigada por me ensinar a caçar
vagalumes e a prendê-los em caixinhas de fósforo (depois, nós os soltávamos). Obrigada
pelo carinho, pelo colo, pela paciência, pelas histórias. E me desculpe por eu
ter rasgado uma foto sua com uma menininha desconhecida, de uma das temporadas de
pesca que o senhor costumava passar no Pantanal com o dr. Figueiredo. Obrigada
por fazer pra mim aqueles brinquedos que voavam, quando eu estava no sítio.
Obrigada pelos jogos de buraco que jogávamos também com a vovó. Obrigada por me
levar na Cultura Inglesa, quando meus pais foram viajar para o Sul, e não me
levaram com eles. Obrigada por me ensinar algumas palavras em italiano e também
por aquelas comidas italianas que o senhor gostava de ajudar a fazer no Natal. Vovô,
eu nunca vou te esquecer.
Norberto
Meu avô Norberto morreu quando eu tinha só seis anos. Não
pude vivenciar esse luto, porque minha família só me contou que ele tinha
morrido bem depois. Fiquei muito triste por não ter podido me despedir do
senhor. Foi uma pena, porque se o senhor tivesse vivido mais tempo, eu sei que
eu acabaria vencendo a minha timidez e ia conseguir cantar Dominique com
o senhor ao violão, como o senhor queria e eu morria de vergonha e ficava
calada. Vovô, eu adorava ouvi-lo tocar violão! Sabe que depois que o senhor
morreu, eu ganhei o seu violão e a minha mãe me matriculou em uma escola de
música perto de casa? A professora queria que eu tocasse os acordes daquela
música Lampião de Gás. Mas eu era pequena e o seu violão muito grande
pra mim. Eu não conseguia deixar meus dedinhos na posição certa que a
professora ensinou e chorei, desiludida. Nunca mais voltei naquela escola e em
nenhuma outra. Mas hoje o senhor ia ficar orgulhoso de mim, porque eu canto em
um coral e adoro! Seu violão, eu dei para o meu primo Rogério, seu neto que o
senhor não teve a oportunidade de conhecer, porque ele é filho do Leônidas, o
irmão mais novo da mamãe, que já deve estar aí com o senhor, cantando Trem
das Onze de trás pra frente, como ele gostava de fazer. Ele sim sabia tocar
violão e cantava muito bem. Vovô, obrigada por ter deixado essa sua herança
musical aqui comigo. Obrigada por ter deixado aquelas cartas de amor tão lindas
que o senhor escreveu pra vovó Ene. Elas sempre foram muito inspiradoras pra
mim. Vovô, eu nunca vou te esquecer.
Irene
Minha doce e querida vovó Ene… Ahhh, como me lembro daqueles
dias entre o Natal e o Ano Novo, quando eu ficava com a senhora na sua casa.
Era difícil tomar banho naquele banheiro que ficava do lado de fora da casa,
mas a senhora me emprestava um roupão de lã xadrez, muito maior do que eu e eu
ficava bem quentinha. Eu adorava dormir na sua cama com a senhora, nesses dias.
Obrigada por fazer pra mim aqueles seus deliciosos bifes acebolados, e por me
deixar passar o pão naquela frigideira cheia de furinhos. Hummm, como era bom!
Também me lembro do seu delicioso doce de abóbora com coco. Obrigada por me dar
comidinha de verdade (arroz e feijão) para eu brincar de casinha no quintal, sozinha
ou com as amigas da vizinhança. Obrigada por cuidar da minha cachorrinha Meg
pra mim, depois que me casei e não tinha mais como dar atenção pra ela. Obrigada
por ter cuidado tão bem dela até o fim. Vovó, obrigada por ter sido sempre um amor
de pessoa comigo, por nunca ter me dado nenhuma bronca, por ter tanta paciência
comigo. Obrigada por me perdoar a ausência depois que me casei e que a vida
complicou e eu quase não a visitava mais. Sempre me culpei por isso. Vovó, eu
nunca vou te esquecer.
Domingos
Meu querido tio Mingo, quantas saudades eu sinto das férias
que eu passava no sítio, em Ribeirão Preto! Obrigada por nos convidar e nos
acolher tão carinhosamente. Obrigada por ter pedido para a cozinheira fazer
sempre um prato mais gostoso do que o outro quando nós estávamos lá. A gente
estava acabando de almoçar e o senhor já ia procurar uma receita nova no seu
fichário para a refeição seguinte. Foi lá no sítio que eu comi aquela sopa
chamada Minestrone pela primeira vez. Obrigada por ter me proporcionado os
momentos mais felizes da minha infância, por ter permitido que eu sempre
levasse uma amiga comigo para ter com quem brincar, embora também fosse muito
bom brincar com os primos Beto e Leo lá no sítio. Obrigada pelos passeios de
Kombi até o porto de areia, onde eu escolhia umas pedras bem bonitas pra levar
pra casa. Tio Mingo, o senhor sabe que agora onde era o sítio é um bairro muito
populoso de Ribeirão Preto? O Leo me contou que tem até prédios por ali. Sabia
que lá tem uma escola com o seu nome? Eu fiquei sabendo disso há pouco tempo,
quando estava procurando uma fotografia sua na Internet (não achei) e fiquei
muito orgulhosa porque acho que o senhor merece essa homenagem. Tio Mingo, eu
nunca vou te esquecer.
Tia Cida
Ela tinha
medo de andar de escada rolante, mas era uma alma tão boa! Como me lembro dela…
A casa do sítio estava sempre cheia de visitas e ela nunca se perturbava.
Estava sempre sorridente, de bom humor. Nunca a vi triste ou brava. Ela nos
deixava muito à vontade por lá, como se a casa fosse mesmo nossa. A história
dela era curiosa. O tio Mingo era duplamente viúvo. A tia Cida começou a
trabalhar como babá dos seus filhos e logo conquistou não só as crianças mas inclusive
o patrão. Também pudera! Ela era uma criatura muito doce e afável. Depois que
todo mundo ia dormir, a senhora me perguntava se eu queria pipoca. Estourava
uma grande tigela de pipoca e colocava em cima da mesa. Nós nos sentávamos uma
de cada lado e ficávamos conversando, não me lembro mais quais eram os assuntos
que poderiam interessar uma senhora já na casa dos 50 ou 60 e uma menina de
seus 14, 15. Ficávamos a falar até a pipoca acabar! Obrigada, querida tia Cida,
por ter me proporcionado esses momentos tão bons! Eu me sentia importante por
ter amizade com a dona da casa. Obrigada, tia Cida, por ter me recebido no
sítio com tanto amor e carinho, em todas as minhas férias escolares. Tia Cida, eu
nunca vou te esquecer.
Alayde
Meu Deus do céu, como eu gostava da madrinha Alayde. Ela
fazia tudo pra mim, mas tudo mesmo. Não me lembro, mas soube depois que ela fez
uns aventaizinhos para as garrafas de refrigerante no meu primeiro aniversário,
além de todas as comidas e docinhos. Madrinha, tenho até hoje uma faquinha
gravada com o meu nome que a senhora me deu no Natal de 1959. Tinha garfo e
colher no conjunto, mas só sobrou mesmo a faca. Está aqui em Portugal comigo.
Madrinha, obrigada por sempre fazer bombocado pra mim nas festas (não só as
minhas, mas nas dos seus netos também), que era o meu doce preferido. Obrigada
por ser tão carinhosa comigo. Obrigada por me deixar escolher a galinha mais
gordinha para os almoços especiais que a senhora fazia pra mim e eu sempre
tinha o privilégio de comer as coxinhas. (Hoje sou vegetariana, mas naquela
época achava normal comer as galinhas, coitadas.) Obrigada por me acolher
sempre na sua casa, território livre para as brincadeiras com a Denise, sua
outrra afilhada e minha melhor amiga da rua. Obrigada pelos anéis e pulseirinhas
de “chapinha” de ouro com o meu nome gravado que a senhora me deu nas datas
especiais e que eu mordia e amassava e que foram doadas ao governo na campanha “Ouro
pelo bem do Brasil”. Eu ia fazer seis
anos quando a campanha foi lançada pelos Diários Associados, em 13 de maio de
1964 (data da Lei Áurea, que libertou os escravos), logo após o Golpe Militar. O
objetivo era arrecadar ouro e dinheiro da população, para ajudar o país a arcar
com sua dívida externa, atenuando os efeitos da inflação e valorizando a moeda
nacional. Eu me lembro de ter ficado em uma fila enorme para doar algumas joias
da família, incluindo meus anéis e pulseiras amassadas. Madrinha, sabe que esse
feriado foi banido e o que se comemora hoje em 20 de novembro é o Dia Nacional
de Zumbi e da Consciência Negra? Concebido em 1971, foi formalizado
nacionalmente e incluído no calendário escolar em 2003. Foi instituído como
data comemorativa em 2011 e oficializado feriado nacional apenas em 21 de
dezembro de 2023. Bom, né? Madrinha, sabia que eu fiz uma homenagem à senhora
no livro Papo de Cozinha Afetiva, coletânea com diversos autores, lançado
em 2022 pela minha editora, a Reality books? Espero que a senhora tenha ficado
feliz com esse meu bilhetinho aí para o Céu. Madrinha, eu nunca vou te
esquecer.
Florência
Eu não poderia encerrar esse meu post, que acabou ficando
enorme, sem falar na minha sogra, a dona Florência. Ela partiu no dia 9/9/2017,
com 99 anos. Foi uma das pessoas que mais me ajudou quando precisei. Sei que ninguém
é igual a ninguém, mas a dona Florência era a mais original das pessoas que eu
conheci na vida. A senhora se lembra daquele dia em que fomos paradas na rua
por uma mocinha que tinha um blog e queria fotografá-la, com seu xale roxo? A
senhora usava aqueles xales coloridos de um jeito só seu: amarelo, vermelho,
azul e principalmente verde, que era a sua cor favorita. Dona Florência, muito
obrigada por fazer comida pra mim, na época em que os meus filhos eram pequenos
e que eu não tinha tempo pra nada. Obrigada por amarrar toda aquela comida em
um pano de prato, como uma trouxa bem
firme, para eu levar pra casa aquele seu arroz gostoso, os seus inesquecíveis
pasteis de carne, sua maionese, seu feijão sem igual. Obrigada por cuidar do
Tom e da Biba quando eu mais precisei. Obrigada por estar sempre presente. Obrigada
por me chamar de “anjo” e por me elogiar sempre para todo mundo que nos
encontrasse juntas. Dona Florência, eu nunca vou te esquecer.