Quando eu era menina, estudante, não queria saber de fazer faxina e nem
de arrumação de nenhuma espécie. Meu guarda-roupa era um emaranhado de roupas
que eu ia “socando” lá, sem nenhum método. Minha mãe queria o quarto arrumado e
eu enfiava e escondia a bagunça toda dentro do armário. Minha avó paterna
também morava com a gente e ela me defendia: “Ela vai ter empregada, não
precisa aprender a cozinhar nem fazer faxina”. E eu acreditava piamente nisso.
Minha mãe respondia: “Ela tem que aprender para saber mandar, pelo menos”. Entrava
por um ouvido e saia pelo outro. Eu era boa aluna, era considerada inteligente
pelos professores, tirava boas notas, achava que o meu caminho para o sucesso
profissional estava pavimentado e que eu naturalmente e sem nenhum esforço
teria um ótimo emprego e um excelente trabalho, que nem o meu pai. Meu pai não
era engenheiro, mas era tão competente e inteligente que tinha sido contratado
como engenheiro na Refinações de Milho Brasil, tinha um ótimo salário e a minha
vida infantil foi tranquila e confortável.
Mal sabia eu que a minha vida não seria esse mar de rosas,
profissionalmente falando. Metida, eu me achava muito importante já desde o meu
primeiro emprego, um estágio no DSV onde eu tinha que me humilhar e fazer chatíssimos
relatórios de rádio-escuta. Aquilo era a morte pra mim. Zero de criatividade,
zero de inteligência. Apenas um trabalho braçal. Eram 5 cópias desse maledeto
relatório, com papel carbono. Cada cópia tinha um destino.... Certo dia, estava
eu a distribuir as cópias para os respectivos destinatários, quando a
secretária de um deles (por sinal, uma jornalista a quem vou poupar a
identidade), jogou o meu relatório na lata de lixo na minha frente, dizendo que
o chefe dela não lia aquilo.
Ohhhh!!!! Fui correndo contar ao meu chefe. A partir do dia
seguinte, eram só 4 cópias.
Bom, isso foi apenas no primeiro emprego. E a história não
foi muito diferente nos demais. Eu sempre ficava na minha plataforma da
superioridade, olhando de cima até os meus chefes. Resultado: nunca me dei bem.
Nunca soube fazer a política necessária para galgar posições. Desempenhava
tarefas que me aborreciam e me sentia menosprezada, diminuída. Foi sempre
assim. Fazia tudo sem alegria, sem paixão, sem amor. O salário no fim do mês
era correspondente a esse meu comportamento e sentimento.
Hoje, moro em um apartamento pequeno, vivo (eu e meu marido)
de aposentadoria. Ou seja, adotamos o estilo minimalista, que tá na moda, é
bacana e tem a ver com o nosso rendimento mensal, que – claro – não é lá essas
coisas. Mas tá tudo bem. Não temos mais tantas despesas. O clube agora é grátis,
não tenho vontade de comprar nada que seja de grife e sim do pequeno, não temos
mais o sonho da casa própria (nossa casa está alugada e pagamos o aluguel deste
apê com o dinheiro recebido lá). Além disso, passei a ser a pessoa mais organizada do mundo,
fã de carteirinha da Marie Kondo e das suas dicas. Aprendi, recentemente, a dobrar as
camisetas no seriado dela no Netflix.
Não tenho empregada e nem faxineira. No começo, eu
esbravejava quando fazia a faxina. Imagine, eu, jornalista graduada pela
ECA-USP, com curso de especialização também na ECA-USO, tendo que me sujeitar
ao aspirador de pó, ao esfregão e aos produtos de limpeza! Revoltadinha, eu
fazia a limpeza resmungando. Só que no final, acabava descobrindo um sentimento
bom de autossuficiência, de liberdade, de independência, de ninguém ter que
limpar a minha sujeira.
Resolvi dedicar as quartas-feiras pela manhã à faxina. Fui
descobrindo que não é um bicho-de-sete-cabeças. Fui percebendo, aos poucos, que
por mais que não seja uma tarefa criativa, pois é extremamente repetitiva e até
um pouco pesada, dá prazer estender o lençol limpinho na cama, depois de tudo
limpo e cheiroso.
Fui vendo que, conforme a gente vai limpando o nosso
ambiente externo, também as ideias e sentimentos vão sendo limpos,
higienizados.
Fui notando que a faxina tem valor, que mexer nos nossos
objetos, analisando a cada semana se eles nos trazem felicidade, é uma ação que
só nós podemos fazer. Não tem como delegar isso a quem quer que seja. É só
pegando objeto por objeto, passando um pano ou lavando, para tirar o pó, é que
vamos nos conectando ao nosso espaço onde vivemos e convivemos com as pessoas
que escolhemos dividir o teto. Assim, comecei a sentir um enorme prazer nessa
atividade, que continuo a desempenhar religiosamente todas as quartas pela
manhã. Me sinto leve, me sinto feliz, sinto um prazer muito grande em fazer as atividades
que uma casa exige para que possa ser chamada de lar.
E o sentimento que fica, depois de todas essas minhas
confissões, é de uma profunda gratidão. Sou grata a Deus pela minha vida, pela
minha saúde, que me permite fazer esta faxina cuidadosa, sem depender de ninguém,
sou grata à minha mãe que queria me ensinar (e continua até hoje me dando dicas
de produtos de limpeza, de técnicas e dicas – como, por exemplo, usar vinagre
de arroz para limpar a pia e o fogão), sou grata à minha avó que me defendia,
com a melhor das intenções. Sou grata pela minha casa, este apartamento novinho
em folha e pequenininho, onde moro há menos de um ano e que tem tudo a ver com
a nossa fase atual. E sou extremamente grata ao meu marido que é um maridão e
que me ajuda, com aquele jeito dele, todo afobado, sem frescura, repetindo que “não
tem tempo ruim”, sei que ele tem um coração enorme e que também quer se sentir
bem aqui dentro.
Fico aqui a refletir sobre aquele ditado popular: Deus
escreve certo por linhas tortas. Mas acho que nós é que somos os burros de não
entendermos que as linhas de Deus nunca são tortas. Nossa visão é que distorce
a realidade. E a realidade sempre traz o bem. Nós é que precisamos ter “olhos
de ver”. Precisamos ver e enxergar que a vida sempre é boa, sempre nos traz aquilo
de que precisamos. E as lições nos chegam o tempo todo. Podem vir até da
prosaica faxina semanal. É isso....