Ganhei mais um belo texto da minha querida amiga Luciana Praxedes. exclusivo aqui para o Consulta. Aproveite!
Sobre o tempo que devemos ter
O relógio é
um dos seus amigos mais íntimos. Ela precisa acordar na hora certa, sair de
casa com precisão e correr contra o tempo. Ela tem pressa porque a vida é
rápida, acelerada. O dia dela, e da maior parte das pessoas que conhece, é
formado por etapas e atividades que devem ser concluídas com sucesso num
determinado período de tempo.
Mas foi num
dia, como outro qualquer, que tanta pressa passou a não ter importância. O
tempo parou por alguns minutos quando ela descobriu que a vida é efêmera, quase
um sopro. Naquele café, enquanto sua amiga contava sobre o diagnóstico do
médico, tudo voltou a ganhar a proporção que merece ter. Nem mais e nem menos.
Diante do desconhecido e na tristeza da notícia, o relógio da moça travou no
momento presente. Na conversa, na dor da sua amiga.
A amiga
ficará bem. Tem que ficar. Não é uma dessas coisas que se entrega para a força
do destino ou do acaso. Trata-se simplesmente de uma constatação: sim, a amiga
irá superar este desafio com graça, amor e rodeada de pessoas com tempo. Tempo
para estar ao lado dela, para mimá-la, para conversar e planejar as férias
europeias que há anos tentam coordenar. O tempo, ao contrário da pressa, requer
disponibilidade, querer. E elas querem.
Com os acontecimentos
recentes, ela se deu conta que perder um amigo ultrapassa o fim da vida como
conhecemos. A gente não perde as pessoas para a inevitável morte. Também
perdemos amigos vivos. E perder alguém querido quando se tem a chance de
revê-lo, de tocá-lo, é imensamente mais triste porque decorre de uma perda
consentida. A morte da alma, a morte do vínculo, é ainda mais dolorida porque
depende apenas de nós. Depende da nossa inércia, da falta de tempo. Esta dor
não se aplica a elas, mas o caso a fez lembrar no tanto de pessoas que foram
esquecidas no meio da jornada por conta do relógio e dos compromissos assumidos
para toda a eternidade.
Aquele
diagnóstico trouxe proporção para a vida. Ela não perdeu ou perderá uma amiga.
Ainda terá as conversas madrugadas a dentro, as compras no shopping, o dia de
comer tranqueira e um futuro repleto de momentos felizes e infelizes. Juntas,
ela e a amiga olharão para trás com a sensação de que estavam ali, uma ao lado
da outra. Não cederam a vida ao tempo voraz e implacável. Construíram uma vida
que ainda se mantém viva. Dentro e fora delas.
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