Em Nespereira, a conversar com um cedro do Líbano, plantado em 1646 (segundo a tradição)
Fotografia: @António Rodrigues
Sou filha única, portanto, não tenho seres humanos irmãos. Mas tenho as árvores como irmãs, e sempre que posso, abraço uma e tento “ouvir” o
que ela tem a me dizer. Elas sempre me falam sobre contemplação, sobre observar
e sobre o fluxo da vida em movimento, embora elas não se movimentem a não ser
que o vento venha balançar seus galhos. Generosas, oferecem seus frutos e sua
sombra, emprestam seu tronco para os musgos e seus galhos para os passarinhos
fazerem seus ninhos. Mas elas são boas mesmo em purificar o ar que respiramos.
Ando na fase mais introspectiva de toda a minha vida, desde
que me mudei há quase um ano para Portugal. Vim atrás do amor da minha vida. E
tenho refletido muito sobre o Tempo, o Amor, a Vida e a Morte, as separações e
uniões. Tudo isso que compõe a nossa vida, nosso dia a dia. Agora que estou na infância
da velhice, como bem diz o meu amor, entendi que preciso ser mais seletiva do que nunca. E
desde que comecei a me comunicar com as minhas irmãs árvores (lembrando que também
somos irmãos e irmãs de tudo o que vem da Natureza, como pedras, flores e bichos),
fiz algumas descobertas. Quando a gente encosta o ouvido no tronco de uma
árvore, quase conseguimos escutar a seiva a correr do solo para as folhas
mais altas. Ao refletirmos sobre a raiz das árvores, que em geral é
equivalente à sua copa, conseguimos perceber sua energia e sua força.
De repente, eu me dei conta de que também nós, seres humanos,
temos as nossas raízes simbólicas. Quando vim para Portugal, não pude trazer
minhas raízes nas malas, que continham todos (ou quase todos) os meus
pertences. Uma das minhas frases preferidas diz que “as melhores coisas da vida
não são coisas”. Nós até compramos um avental, aqui perto, em Nazaré, com esses
dizeres. Desconheço a autoria. Por isso, nunca me preocupei muito com as tais "coisas".
Mas se deixei minhas raízes para trás, ganhei muito em troca:
nunca me senti tão profundamente amada como sou hoje, e só isso compensa
qualquer raiz que eu tenha deixado lá no Brasil. Não me arrependo de nada e se
fosse escolher hoje, faria tudo absolutamente igual.
Só que hoje, ao ouvir o Arnaldo Antunes (com os Titãs) cantar
“a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”, pensei no “meu”
povo brasileiro, nas minhas raízes que gritam tão alto, de vez em quando, mesmo
distantes fisicamente de mim. Meu povo... Eles invadem Portugal com uma imensa
vontade de vencer na vida, ou simplesmente de conseguir viver uma vida um
bocadinho melhor (como se diz aqui). Pensei nos imensos sacrifícios que alguns
deles fazem para estar em um país europeu, do primeiro mundo. Pensei naqueles
que vêm em fuga das péssimas condições que têm lá. Culpa de quem? De anos e anos
de maus governos. Mas isso eu não quero discutir aqui.
Quero sim falar dos dramas humanos de tantos brasileiros e
brasileiras que a gente vê por aqui em cada lugarzinho onde vamos. Eles estão
por toda a parte, a fazer os serviços que os próprios portugueses não querem
mais. Enquanto alguns portugueses vão para outros países europeus onde
são mais bem pagos (sei de uma portuguesa que mora em Londres e de outro que
mora em Amsterdam e trabalha com turismo), os brasileiros estão aqui nas
limpezas, nos supermercados e restaurantes, em busca de um “lugar ao sol”,
mesmo agora no outono e, em breve, no implacável inverno europeu, que exige agasalhos
e sapatos muito diferentes daqueles que costumamos usar lá no nosso país tropical.
Estão todos aqui, na luta por uma vida melhor, mais digna, mais completa, não
só com comida, mas com comida, diversão e arte. É um direito legítimo, como bem
expressaram os Titãs.
Ainda bem que nós não somos como as árvores, que não podem
mudar de um lugar para outro. Eu me mudei. Muitos brasileiros também se mudaram
para cá. Eu, por amor. Outros, por necessidade. Mas as nossas irmãs árvores
simplesmente estão ali onde as plantaram ou onde brotaram naturalmente, com
suas raízes e sua força.
Quando a gente as abraça e ouve a seiva a correr do solo pelo
seu tronco até as folhas mais altas, a gente sente essa energia telúrica, e
percebemos a sinfonia da VIDA em movimento, embora elas estejam ali paradas.
Percebemos que o segredo da vida é justamente o movimento. E nós todos, todos
os habitantes do planeta, sem exceção – ainda que não mudemos de país – estamos
sempre em movimento, em direção ao que consideramos uma vida melhor, mais
equilibrada, mais feliz.
Não leio mais jornais e nem vejo as notícias na TV ou nos portais de notícias na internet. Mesmo
assim, as redes sociais me informaram que há uma “nova” guerra entre palestinos e judeus. E isso me
entristece profundamente. Não sei dessa situação em detalhes e não me interessa
saber quem tem razão. Só sei, e tenho certeza absoluta, de que a guerra não
resolve nada. Só o que resolve é o AMOR. Outro dia, postei outra frase que
eu adoro, desde sempre: “O amor é a resposta, não importa a pergunta”, também
de autoria desconhecida. Ah, e como falta amor nesse nosso planetinha azul...
Como é triste constatar isso, mas é a mais pura verdade. Como me sinto mal
perante tanto mal... Só posso escrever e rezar. Peço que as pessoas que estão à
frente desse combate irracional que se lembrem de cultivar dentro delas os
sentimentos de amor e fraternidade. Não é grande coisa. Mas é a única coisa que
está ao meu alcance agora.
Também tenho dedicado um tempo do meu dia ao estudo do tarot
de Marselha. Ganhei o baralho do meu amor, quando estivemos em Aveiro, em
direção à Arouca e depois Gerês. Sim, apesar de “reformados” (aposentados), nós
nos demos férias. Estávamos precisando tanto... E recarregar as baterias junto
da Natureza faz um bem danado. Caso você não saiba, todos temos direito a
férias (mesmo aquelas pessoas que não estão a trabalhar por qualquer que seja o
motivo). Mas este também não é o texto para falar das belezas de Arouca e do
Gerês, a zona mais linda e de natureza mais pura de Portugal, na nossa opinião.
Voltando ao tarot, ele é um portal para o inconsciente e eu tiro uma carta dos 22 arcanos maiores por
dia, estudo o seu significado e sinto a sua vibração. A de hoje foi a
Temperança. Ah, como o mundo precisa de Temperança... Palavrinha quase fora de moda,
mas que nos convida a temperar o gelado e o quente, até chegar ao morno, o equilíbrio
ideal. E volto à maldita guerra. Pego minha varinha mágica, que recolhi em meio à Natureza, e invoco deuses e deusas a pedir que a Temperança inspire as “autoridades” em
todo o mundo (e a guerra da Rússia e da Ucrânia, em que pé está?) a
simplesmente pararem de mandar matar as pessoas, sobretudo as crianças inocentes.
Não consigo compreender como neste ano de 2023, quando na minha infância eu achava que
estaríamos todos a viver em um mundo tipo Jetsons, a humanidade ainda não
aprendeu que o AMOR é o mais importante. Simples assim. Ah, se pelo menos eles “ouvissem”
os conselhos das árvores...