O texto da minha linda colaboradora Luciana Praxedes publicado ontem me inspirou a contar o outro lado da história. E o texto que saiu foi este:
(ou... Por que a grama do vizinho é sempre mais verde??)
A rotina do
café da manhã dela era preguiçosa. Ele sempre acordava antes. Como ela
precisava tomar o remédio do hipotireoidismo, esperava meia hora antes de comer.
Nesse meio tempo, ele se adiantava e deixava tudo pronto. Era uma maneira de
“se mostrar”: “olha que ótimo marido eu sou! Até deixo o café da manhã dela preparado
todas as manhãs”. Era o que ele sempre repetia para os amigos do clube. Ela
estava cansada daquele mimo todo. Por exemplo: ela preferia leite desnatado,
mas ele insistia que o integral era melhor para a saúde. E ai dela se
reclamasse. Nesses casos, ele nunca discutia. Apenas emburrava e se fechava em
seu mundinho, onde ninguém tinha permissão de entrar. Ela simplesmente não
suportava o silêncio dele.
Feliz mesmo era a moça solteira do apartamento ao lado, que ela sempre observava pelo olho
mágico. Saia toda produzida e perfumada para o trabalho, todas as manhãs.
Certamente deveria ter um cargo bem alto, pois ela sabia reconhecer suas bolsas
de grife e seus óculos de sol que com certeza não vinham de um camelô... E na
casa dela não tinha aquele silêncio mortal. Lá sempre rolava uma música tocando
baixinho. Um jazz, uma bossa nova, uma MPB, tudo de bom gosto. O marido dela
não curtia música. Preferia ver notícias ou esportes na TV.
Isso sem
falar no carinho que aquele gatinho fofo tinha pela vizinha. Ela sempre amou os
animais de estimação. Sobretudo os gatos. Mas o marido dizia que eram animais
traiçoeiros e ainda por cima tinha alergia. Ou seja, ela jamais pode ter um
gatinho no apartamento. A vizinha, no entanto, tinha sempre a companhia daquele
animalzinho fofo, que nunca reclamava de nada, fazia as necessidades no lugar
certo e estava sempre pronto a um afago, um cafuné.
Todos os
dias, depois do café da manhã, o marido a pegava pela mão e levava para a mesa
do escritório, onde tinham que conferir uma a uma todas as notas fiscais do dia
anterior. Ela era obrigada a justificar cada centavo gasto e era o momento do
dia de que ela menos gostava. Era uma verdadeira tortura. O marido,
Capricórnio com ascendente em Touro, não aceitava nenhum gasto que não fosse
planejado antes. Ela ainda tinha bem vivo na memória aquele scapin vermelho,
que ela decidiu comprar num impulso, quando viu na liquidação, apostando que o
marido ia achar sexy. Não teve choro nem vela. Ela precisou devolver com uma
desculpa esfarrapada qualquer, e pegar o dinheiro de volta.
Mas o que
mais a irritava era aquela xícara lilás, que era para ter sido da mãe dele.
Tinha sido comprada por ele em Paris, para dar de presente à sogra, quando
ainda estavam bem de vida. Porém, ao chegarem ao Brasil, a mãe dele teve um
infarto fulminante e morreu. Ele achou por bem dar à esposa a tal caneca lilás.
Se ela pudesse escolher, não usaria aquela triste xícara. Mas discordar do
marido era ter de conviver com o homem emburrado. Então, ela achava melhor
aquiescer.
Feliz era a
vizinha. Que podia escolher a xícara que quisesse, sair e voltar no horário que
bem entendesse, ouvir a música que escolhesse, na hora em que estivesse a fim.
Sim... a liberdade não tem preço, pensava ela, enquanto lavava a louça e
lembrava daquele lindo scarpin vermelho...
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