Mais uma vez tenho a honra de publicar o primeiro texto de 2017, de autoria inspirada da minha querida amiga Luciana Praxedes.
Por aquele
pequeno orifício, ela passou a observar uma vida que não era a dela, mas que
desejava imensamente que fosse. A dinâmica daquele casal, meramente comum,
igual a tantos outros, era a declaração mais latente de que a felicidade
acontece em gestos singelos ou no silêncio de um olhar. Não há palavras,
sentenças ou conversas matinais. Apenas uma rotina permeada pelo amor, pela
reciprocidade, pelo bem-querer.
Espreitar a
dinâmica daquele casal passou a ser o esporte favorito daquela mulher
balzaquiana, uma típica leonina com ascendente em Escorpião e lua em Câncer.
Ela prestava atenção aos detalhes que a pressa, a confusão do cotidiano, insistem em camuflar.
Todos os dias aquele moço alto de cabelos levemente grisalhos acordava mais
cedo para preparar o café ao mesmo tempo em que folheava a página de Esportes
de um jornal qualquer. Era uma ação cotidiana, quase automática, mas que
revelava uma gentiliza sutil: o café pronto, quentinho, era despejado na xícara
lilás, acompanhada de duas fatias de pão integral com manteiga sem sal. E uma
fruta! Sim, a fruta dela delicadamente cortada em cubinhos simétricos.
Pontualmente
às 7h12 a dona deste desjejum aproximava-se, sentava na cadeira posicionada na
cabeceira da mesa e lançava um olhar preguiçoso para ele, que interpretava este
gesto como um obrigada. Ao devolver o olhar ele também respondia: de nada, coma
tudo. Esta cena trivial enchia o coração da observadora, que pulava o café da
manhã por preguiça de prepará-lo. Morar sozinha tem lá suas vantagens, mas a
principal desvantagem é não ter ninguém para fazer o seu café da manhã. Nem
sempre foi assim, mas ao perceber que preferia um amor amigo ao sexo quente
eliminou o desjejum dos seus hábitos alimentares.
O homem enche
mais uma xícara de café e senta-se ao lado dela. Coloca sua mão na coxa direita
da moça e morde o pão pulmann besuntado de geléia de amora. Ela retribui o
carinho e repousa sua mão em cima da dele. Eles se olham. Não emitem nenhum
som, nenhuma palavra. Não que fossem necessárias. Neste momento, uma lágrima
escorre pelo rosto daquela que permanecia à espreita. Desejou, com toda a força
do seu ser, que alguém segurasse em sua mão, que alguém se importasse. Leonel,
seu gato siamês, ao perceber que ela chorava, enrosca-se em suas pernas para
provar que ela não está sozinha. Tem ele.
O casal,
agora de mãos dadas, levanta-se em direção ao quarto. Ao se afastarem da mulher
que tudo vê deixam um rastro de dor por tudo aquilo que aconteceu e,
especialmente, pelo o que não aconteceu. Fora do alcance dos seus olhos, aquele
casal faz ela recordar de um verso sobre o amor. Ou seria sobre a ausência? Não
importa. O amor mora do outro lado, no apartamento vizinho, na cozinha, no café
quente na xícara lilás.
Luciana
Praxedes
Santos, 11 de janeiro de 2017.
Triste realidade que vê a felicidade acontecer na vida alheia :/
ResponderExcluirBom 2017!!