sábado, janeiro 26, 2019

A Esposa (filme)


O filme permite vários níveis de interpretação e "leitura". Você pode sair do cinema odiando o marido que se apropriou dos textos escritos pela mulher e ainda por cima a traiu a vida inteira. Pode julgá-lo ou julgá-la: – “que burra... como ela deixou que ele se apropriasse assim do talento literário dela?”. Mas o filme não é tão raso. Podemos elogiar as atuações dos atores e especialmente da protagonista Glenn Close, no papel da brilhante escritora que sempre viveu à sombra do marido, que ficou com todos os louros (incluindo um magnífico Nobel de Literatura), sendo que tinha sido ela a “consertar” o texto originalmente pobre do marido. Podemos tudo, na condição de meros espectadores da história.
Porque podemos tudo, eu escolhi chorar.... Chorei na cena em que ele recebe a ligação telefônica, comunicando que havia sido escolhido para receber o prêmio Nobel de literatura. Gente... meu coração até acelerou. Não existe honra maior para um escritor. Um sonho!
Chorei também na última cena, quando ela, já no voo de volta, passa a mão com carinho na página em branco do caderno de anotações, tesouro de muitos escritores....
A página em branco... Ele tinha comentado sobre a página em branco no discurso dele, terror de quem não tem o dom da escrita, ela é idolatrada por aqueles que dominam as palavras e sabem como bailar com elas no papel... Pelo menos as pessoas da minha geração (tenho 60 anos) têm certa intimidade com o papel em si (e não a tela do computador), o lápis e/ou caneta. Muitas vezes, é no caderninho de anotações que nascem as sentenças que, buriladas, se perpetuarão mais tarde no livro.
Eu tinha mania de escolher uma boa caneta esferográfica antes de escrever... uma caneta que deslizasse suavemente pelo papel. Podia até ser uma prosaica Bic. Em geral, as Bics não costumam falhar. Só falham quando a gente chora em cima do papel, daí ele enruga e a caneta engasga ali.
Escolhida a caneta boa, enchi cadernos e mais cadernos com meus pensamentos, desabafos, observações, lágrimas, dores, alegrias... mais dores do que alegrias. Era daquele jeito que eu me curava. E foi assim a minha vida inteirinha. Por isso, eu queria que o filme tivesse sido todo diferente. Ele foi baseado em um livro. E eu escreveria outro livro. Aliás, eu escreverei outro livro.
O filme é altamente inspirador. Dá uma vontade danada de escrever, escrever, escrever, até que as palavras se transformem em diamantes, capazes de emocionar, de fazer brotar uma lágrima, ou esboçar um sorriso, ou até mesmo uma gargalhada. Como eu amo a literatura! Como o meu coração pula de alegria diante da mera oportunidade de alguém ler o que escrevo. E gostar!
Enquanto o meu dia de ganhar o Nobel da literatura não chega, sigo a escrever. E a ler. Me alimento do poder das palavras. São elas que nos conduzem vida afora, porque nosso pensamento é feito de palavras. Há palavras doces, ácidas, amargas, gordas e magras. Há palavras duras, macias, de todas as cores. Tudo de que elas precisam é serem combinadas, elas podem tanto ferir quanto curar feridas, acalmar mentes e corações, podem até curar.
É por isso que faço o workshop de escrita curativa. Porque acredito que todos têm o poder de usar as palavras a seu favor. Ainda que isso não seja literatura, é o poder que todas as pessoas alfabetizadas têm e às vezes se esquecem, ou talvez não saibam, não tenham consciência desse poder.
O autoconhecimento é um longo caminho, sem atalhos, mas com degraus, é preciso subir um a um para chegarmos a nos elevar um pouquinho que seja. Um pouquinho de cada vez, um pouquinho a cada vida.
E assim vai, e assim desviei de falar do filme, falei de mim, falei das palavras, costurei uma na outra e voltei ao princípio. Como não dá para ler os livros que ela escreveu para ele (como fiquei curiosa para ler “A Noz”!!!), vou atrás do livro que deu origem ao filme, para mergulhar mais fundo nessa história de muitos níveis.
Resumindo, o filme é magnífico, não perca. E ver o filme no Cine Sala (ex-Fiametta), na Fradique Coutinho, torna a experiência cinéfila ainda mais deliciosa.

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