sábado, novembro 16, 2024

Meu mural das lembranças e gratidão

 


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Outro dia vi o filme Viva, a Vida é uma Festa, da Disney e adorei. O filme baseia-se no feriado mexicano de Dia de Los Muertos. Foi o ponto de partida para uma reflexão sobre as pessoas que passaram pela minha vida, deixaram saudades e boas recordações e que eu quero homenagear neste meu post quilométrico.

Primeiro, agradeço ao meu marido António Rodrigues que fez esta arte maravilhosa aqui em cima especialmente para o meu post. Ficou linda, né??

Deixei muita gente de fora, porque decidi me concentrar apenas na família, desta vez. Hoje seria aniversário de 117 anos da minha avó Flora. É uma boa data para o post.

Morei com os meus avós paternos Flora e Mário até a separação dos meus pais, quando eu tinha de 15 para 16 anos, e por isso eles estão na prateleira lá do alto. Em seguida, estão os meus avós maternos Norberto e Irene. Na terceira prateleira, estão o meu tio-avô Domingos (o tio Mingo), e a terceira mulher dele, a tia Cida. Em seguida vem a Alayde, minha madrinha de crisma, que não é exatamente da família, mas é como se fosse. E, finalmente, a avó dos meus filhos, minha sogra, a dona Florência.

Neste post, quero fazer uma homenagem a cada um deles, que se foram, mas nunca foram esquecidos.

Flora

Minha avó paterna sempre me contava muitas histórias da sua infância em Mococa, e eu pedi para ela escrever, pois achei que eu ia esquecer tudo, e foi o que ela fez. Escreveu tudo a lápis, com a letrinha dela em um fichário e eu consegui publicar o livro Flora, minhas memórias, na Casa de Cultura de Mococa, em 2013. Ela era muito séria, mandona e exigente, mas também muito dedicada a mim. Vovó Flora, muito obrigada por ter coado tantas vezes o feijão, para eu comer só o caldinho. Obrigada por ter costurado aquelas roupinhas novas para as minhas bonecas em um Natal. Obrigada por ter me ensinado a bordar e a cerzir meias. Obrigada pelas bananas fritas que a senhora fazia e que eu disputava com o meu pai pra ver quem comia mais. Obrigada por aquela lindíssima colcha de crochê que a senhora fez pra mim. Eu me arrependo amargamente de não tê-la conservado comigo. Era maravilhosa! E hoje eu sei o trabalho que dá fazer uma parecida. Obrigada pelas almofadas em ponto cruz, por bordar as minhas iniciais em toalhas de banho e de rosto, para o meu “enxoval”. Obrigada por aquela colcha de retalhos que a senhora fez pra mim e muitas outras coisas. Obrigada por deixar pra mim aquela bolsinha de metal dourado, com seu nome gravado, que a senhora usava nos bailinhos da sua juventude. Vovó, eu nunca vou te esquecer.

Mário

Filho de italianos, meu avô Mário era a bondade em pessoa. Amava as crianças, não tem um sobrinho ou sobrinha dele que não tenha boas recordações do tio Mário. Com aqueles seus olhos azuis, ele adorava contar histórias engraçadas e  brincar com as crianças, e comigo não era diferente. Vovô, obrigada por passear comigo tantas vezes na calçada da rua onde morávamos, por fazer apitos para mim com o caule de matinhos que nasciam do outro lado da nossa rua, por apontar os meus lápis e descascar as laranjas. Obrigada por colher e me dar aquelas flores chamadas brincos de princesa, que faziam com que eu me sentisse uma verdadeira princesa. Obrigada por fazer cataventos para mim. Obrigada por me ensinar a caçar vagalumes e a prendê-los em caixinhas de fósforo (depois, nós os soltávamos). Obrigada pelo carinho, pelo colo, pela paciência, pelas histórias. E me desculpe por eu ter rasgado uma foto sua com uma menininha desconhecida, de uma das temporadas de pesca que o senhor costumava passar no Pantanal com o dr. Figueiredo. Obrigada por fazer pra mim aqueles brinquedos que voavam, quando eu estava no sítio. Obrigada pelos jogos de buraco que jogávamos também com a vovó. Obrigada por me levar na Cultura Inglesa, quando meus pais foram viajar para o Sul, e não me levaram com eles. Obrigada por me ensinar algumas palavras em italiano e também por aquelas comidas italianas que o senhor gostava de ajudar a fazer no Natal. Vovô, eu nunca vou te esquecer.

Norberto

Meu avô Norberto morreu quando eu tinha só seis anos. Não pude vivenciar esse luto, porque minha família só me contou que ele tinha morrido bem depois. Fiquei muito triste por não ter podido me despedir do senhor. Foi uma pena, porque se o senhor tivesse vivido mais tempo, eu sei que eu acabaria vencendo a minha timidez e ia conseguir cantar Dominique com o senhor ao violão, como o senhor queria e eu morria de vergonha e ficava calada. Vovô, eu adorava ouvi-lo tocar violão! Sabe que depois que o senhor morreu, eu ganhei o seu violão e a minha mãe me matriculou em uma escola de música perto de casa? A professora queria que eu tocasse os acordes daquela música Lampião de Gás. Mas eu era pequena e o seu violão muito grande pra mim. Eu não conseguia deixar meus dedinhos na posição certa que a professora ensinou e chorei, desiludida. Nunca mais voltei naquela escola e em nenhuma outra. Mas hoje o senhor ia ficar orgulhoso de mim, porque eu canto em um coral e adoro! Seu violão, eu dei para o meu primo Rogério, seu neto que o senhor não teve a oportunidade de conhecer, porque ele é filho do Leônidas, o irmão mais novo da mamãe, que já deve estar aí com o senhor, cantando Trem das Onze de trás pra frente, como ele gostava de fazer. Ele sim sabia tocar violão e cantava muito bem. Vovô, obrigada por ter deixado essa sua herança musical aqui comigo. Obrigada por ter deixado aquelas cartas de amor tão lindas que o senhor escreveu pra vovó Ene. Elas sempre foram muito inspiradoras pra mim. Vovô, eu nunca vou te esquecer.

Irene

Minha doce e querida vovó Ene… Ahhh, como me lembro daqueles dias entre o Natal e o Ano Novo, quando eu ficava com a senhora na sua casa. Era difícil tomar banho naquele banheiro que ficava do lado de fora da casa, mas a senhora me emprestava um roupão de lã xadrez, muito maior do que eu e eu ficava bem quentinha. Eu adorava dormir na sua cama com a senhora, nesses dias. Obrigada por fazer pra mim aqueles seus deliciosos bifes acebolados, e por me deixar passar o pão naquela frigideira cheia de furinhos. Hummm, como era bom! Também me lembro do seu delicioso doce de abóbora com coco. Obrigada por me dar comidinha de verdade (arroz e feijão) para eu brincar de casinha no quintal, sozinha ou com as amigas da vizinhança. Obrigada por cuidar da minha cachorrinha Meg pra mim, depois que me casei e não tinha mais como dar atenção pra ela. Obrigada por ter cuidado tão bem dela até o fim. Vovó, obrigada por ter sido sempre um amor de pessoa comigo, por nunca ter me dado nenhuma bronca, por ter tanta paciência comigo. Obrigada por me perdoar a ausência depois que me casei e que a vida complicou e eu quase não a visitava mais. Sempre me culpei por isso. Vovó, eu nunca vou te esquecer.

Domingos

Meu querido tio Mingo, quantas saudades eu sinto das férias que eu passava no sítio, em Ribeirão Preto! Obrigada por nos convidar e nos acolher tão carinhosamente. Obrigada por ter pedido para a cozinheira fazer sempre um prato mais gostoso do que o outro quando nós estávamos lá. A gente estava acabando de almoçar e o senhor já ia procurar uma receita nova no seu fichário para a refeição seguinte. Foi lá no sítio que eu comi aquela sopa chamada Minestrone pela primeira vez. Obrigada por ter me proporcionado os momentos mais felizes da minha infância, por ter permitido que eu sempre levasse uma amiga comigo para ter com quem brincar, embora também fosse muito bom brincar com os primos Beto e Leo lá no sítio. Obrigada pelos passeios de Kombi até o porto de areia, onde eu escolhia umas pedras bem bonitas pra levar pra casa. Tio Mingo, o senhor sabe que agora onde era o sítio é um bairro muito populoso de Ribeirão Preto? O Leo me contou que tem até prédios por ali. Sabia que lá tem uma escola com o seu nome? Eu fiquei sabendo disso há pouco tempo, quando estava procurando uma fotografia sua na Internet (não achei) e fiquei muito orgulhosa porque acho que o senhor merece essa homenagem. Tio Mingo, eu nunca vou te esquecer.

Tia Cida

Ela tinha medo de andar de escada rolante, mas era uma alma tão boa! Como me lembro dela… A casa do sítio estava sempre cheia de visitas e ela nunca se perturbava. Estava sempre sorridente, de bom humor. Nunca a vi triste ou brava. Ela nos deixava muito à vontade por lá, como se a casa fosse mesmo nossa. A história dela era curiosa. O tio Mingo era duplamente viúvo. A tia Cida começou a trabalhar como babá dos seus filhos e logo conquistou não só as crianças mas inclusive o patrão. Também pudera! Ela era uma criatura muito doce e afável. Depois que todo mundo ia dormir, a senhora me perguntava se eu queria pipoca. Estourava uma grande tigela de pipoca e colocava em cima da mesa. Nós nos sentávamos uma de cada lado e ficávamos conversando, não me lembro mais quais eram os assuntos que poderiam interessar uma senhora já na casa dos 50 ou 60 e uma menina de seus 14, 15. Ficávamos a falar até a pipoca acabar! Obrigada, querida tia Cida, por ter me proporcionado esses momentos tão bons! Eu me sentia importante por ter amizade com a dona da casa. Obrigada, tia Cida, por ter me recebido no sítio com tanto amor e carinho, em todas as minhas férias escolares. Tia Cida, eu nunca vou te esquecer.

Alayde

Meu Deus do céu, como eu gostava da madrinha Alayde. Ela fazia tudo pra mim, mas tudo mesmo. Não me lembro, mas soube depois que ela fez uns aventaizinhos para as garrafas de refrigerante no meu primeiro aniversário, além de todas as comidas e docinhos. Madrinha, tenho até hoje uma faquinha gravada com o meu nome que a senhora me deu no Natal de 1959. Tinha garfo e colher no conjunto, mas só sobrou mesmo a faca. Está aqui em Portugal comigo. Madrinha, obrigada por sempre fazer bombocado pra mim nas festas (não só as minhas, mas nas dos seus netos também), que era o meu doce preferido. Obrigada por ser tão carinhosa comigo. Obrigada por me deixar escolher a galinha mais gordinha para os almoços especiais que a senhora fazia pra mim e eu sempre tinha o privilégio de comer as coxinhas. (Hoje sou vegetariana, mas naquela época achava normal comer as galinhas, coitadas.) Obrigada por me acolher sempre na sua casa, território livre para as brincadeiras com a Denise, sua outrra afilhada e minha melhor amiga da rua. Obrigada pelos anéis e pulseirinhas de “chapinha” de ouro com o meu nome gravado que a senhora me deu nas datas especiais e que eu mordia e amassava e que foram doadas ao governo na campanha “Ouro pelo bem do Brasil”.  Eu ia fazer seis anos quando a campanha foi lançada pelos Diários Associados, em 13 de maio de 1964 (data da Lei Áurea, que libertou os escravos), logo após o Golpe Militar. O objetivo era arrecadar ouro e dinheiro da população, para ajudar o país a arcar com sua dívida externa, atenuando os efeitos da inflação e valorizando a moeda nacional. Eu me lembro de ter ficado em uma fila enorme para doar algumas joias da família, incluindo meus anéis e pulseiras amassadas. Madrinha, sabe que esse feriado foi banido e o que se comemora hoje em 20 de novembro é o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra? Concebido em 1971, foi formalizado nacionalmente e incluído no calendário escolar em 2003. Foi instituído como data comemorativa em 2011 e oficializado feriado nacional apenas em 21 de dezembro de 2023. Bom, né? Madrinha, sabia que eu fiz uma homenagem à senhora no livro Papo de Cozinha Afetiva, coletânea com diversos autores, lançado em 2022 pela minha editora, a Reality books? Espero que a senhora tenha ficado feliz com esse meu bilhetinho aí para o Céu. Madrinha, eu nunca vou te esquecer.

Florência

Eu não poderia encerrar esse meu post, que acabou ficando enorme, sem falar na minha sogra, a dona Florência. Ela partiu no dia 9/9/2017, com 99 anos. Foi uma das pessoas que mais me ajudou quando precisei. Sei que ninguém é igual a ninguém, mas a dona Florência era a mais original das pessoas que eu conheci na vida. A senhora se lembra daquele dia em que fomos paradas na rua por uma mocinha que tinha um blog e queria fotografá-la, com seu xale roxo? A senhora usava aqueles xales coloridos de um jeito só seu: amarelo, vermelho, azul e principalmente verde, que era a sua cor favorita. Dona Florência, muito obrigada por fazer comida pra mim, na época em que os meus filhos eram pequenos e que eu não tinha tempo pra nada. Obrigada por amarrar toda aquela comida em um  pano de prato, como uma trouxa bem firme, para eu levar pra casa aquele seu arroz gostoso, os seus inesquecíveis pasteis de carne, sua maionese, seu feijão sem igual. Obrigada por cuidar do Tom e da Biba quando eu mais precisei. Obrigada por estar sempre presente. Obrigada por me chamar de “anjo” e por me elogiar sempre para todo mundo que nos encontrasse juntas. Dona Florência, eu nunca vou te esquecer.

4 comentários:

  1. https://antonior-ocantodafenix.blogspot.com/1:31 PM

    Meu Amor!...
    Saúdo esta tua publicação. Como referiste, e não precisavas agradecer, nem sequer creditar, algum trabalho de arranjo gráfico da ilustração foi meu. Fiz esse trabalho com alegria. Sempre me falaste destas pessoas e elas entraram na informação do meu imaginário.
    Acho que a família é uma base estrutural para a prática existencial da espécie humana. Contudo é preciso que ela seja a base acolhedora onde reinem os valores humanos fundamentais, como o amor verdadeiro, o tal que implica, sem qualquer concessão, a tolerância, a aceitação, o respeito recíproco entre todos, a vontade de dar ao outro o espaço de vivenciar o seu caminho sem imposições que limitem a liberdade. A isso te referes aqui e cito-te:

    "meu avô Mário era a bondade em pessoa."
    "(tia Cida) - Estava sempre sorridente, de bom humor. Nunca a vi triste ou brava."
    "(madrinha Alayde) - Ela fazia tudo pra mim, mas tudo mesmo."
    "(Dona Florência) - Obrigada por me chamar de “anjo” e por me elogiar sempre para todo mundo que nos encontrasse juntas."
    (sempre bricaste comigo e me lembravas dela quendo eu, nas primeiras vezes, te chamei o "Meu Anjo". Acontece que continuo a chamar-te assim, mas já te habituaste. Também tive oportunidade de dizer do Anjo em ti a quem o devia reconhecer e não o fazia.)
    Essas são as pessoas que merecem homenagem, recordação e gratidão. Pela tua descrição, nalgumas delas se percebe a herança genética que te atribuíu a bondade que está em ti e com que me fazes felizes os dias.

    Como bem dizes, no início da publicação, é necessário fazer uma reflexão pela forma como as pessoas deixam uma marca e um rasto pelos dias a nossa vida e ser coerente com essas passagens, atribuindo valor a quem deixa, como referes, saudades e boas recordações. As boas recordações constroen-se a cada momento e acto de partilha. Comove-me a leitura desse bem que te foi feito e saúdo o respeito essas boas recordações que aqui evocas.


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  2. Anônimo2:19 PM

    Que lindo !!! Adorei a parte dos nosso avós; Norberto e Irene. Que saudades desta minha avó !!! Seu primo; Rogério

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  3. Anônimo12:04 AM

    Silvia , parabéns por essas lindas homenagens , seu texto é tão rico em detalhes , que me proporcionou reviver momentos mágicos da minha infância , muito obrigado !
    Um retrato da alma e da essência de cada deles , que certamente , onde quer que estejam, ficaram imensamente felizes !!



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  4. Anônimo10:01 AM

    Que “beleza” de texto e tema. Alguém escreveu “que os mortos não morrem quando lembrados”. Beijo “padrinhal” nessa testa de afilhada “mai-lo” o espantoso Rodrigues, o António Manuel

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