sexta-feira, setembro 06, 2013

Silvia Regina, seu passado a condena


Oi, Silvia Regina,
É, você aí na fila para tomar a hóstia!
Menina, esses óculos grossos e esse aparelho nos dentes não te favorecem em nada, hein?
E a sua timidez ainda atrapalha tudo muito mais.
Você é tímida (poucos compreendem isso, mas você compreende muito bem) sobretudo porque você é uma pessoa crítica. Você enxerga defeito em tudo e em todos. Mas especialmente em você mesma.
Você prefere se calar para tentar se esconder no seu silêncio, porque assim quem sabe as pessoas não perceberão a sua mediocridade, sua pequenez.
Que bom que os anos passam, né, Silvia Regina?
Você aprenderá a lidar com a sua timidez, aprenderá a falar em público, aprenderá a se vestir de maneira mais criativa e colorida, aprenderá a gostar de você, a se valorizar, a enxergar qualidades em você e não apenas defeitos.
Você vai encontrar pessoas na sua vida que vão te valorizar também.
Vai ter amizades sinceras e não apenas as amigas da sua "panelinha", na qual você se protege do mundo.
A timidez e a vergonha andam de braços dados, né, Silvia Regina?
Como você fica com as palmas das mãos suadas sempre que tem que enfrentar alguma situação mais difícil e inesperada! Ou como você enrubesce, sente suas faces vermelhas, queimando de vergonha quando alguém faz algum comentário diretamente dirigido a você...
Ahhh, sim. E como você não sabe se defender, ou não consegue falar nada quando todo mundo começa a falar do irmão ou da irmã!
No dia de hoje (ou ontem), todo mundo só falou em irmão e irmã. E você não tinha de quem falar. Como é chata essa situação, né, Silvia Regina?
Mas você não pode negar o seu passado, mais.
Até no Facebook ele emergiu de forma gritante.
Tá lá a sua foto, na fila da hóstia.
E você nem católica é mais!
Como assumir esse seu lado careta, carola, bobinho, infantil, imaturo, tímido, pra dentro...
Isso tudo veio à tona, Silvia Regina.
E hoje, se você é uma mulher adulta, quase idosa, aquela Silvia Regina ainda mora dentro de você e te lembra de um passado dolorido, sofrido, solitário.
Lembra quando as meninas na perua riam de você? Te chamavam de "quatro olhos"? Perguntavam se a sua mãe não tinha outra roupa, porque ela vivia de camisa xadrez, que era a roupa de fazer a limpeza da casa?
Sim, Silvia Regina.
Você é tudo isso,
Mas hoje, as coisas são diferentes.
Se antes você sempre levava desaforo para casa e chorava pelos cantos, hoje você já sabe se defender.
Você aprendeu a duras penas a lutar pelos seus sonhos e a realizá-los, um por um.
Você conheceu um menino lindo, loiro, de cabelos encaracolados, seis anos mais velho. E ele te mostrou o Mundo. E vocês começaram a namorar no dia em que ele te disse que gostava de você mais do que de uma amiga. Vocês se beijaram! (você pensava assim: "ele me beijou!!") e depois de cinco anos de um namoro em que fizeram mutias coisas legais juntos, decidiram ir morar na Vila Brasília, em um sobradinho lindo. Você fez amizade com os vizinhos, reencontrou uma das garotas que riam de você na perua e até ficou amiga dela.
Você teve um filho, aprendeu a dirigir, entrou na PUC e depois na USP, virou jornalista, veja você, que ironia do destino, né?
Você teve mais uma filha depois de muitos anos, porque não queria (de jeito nenhum) que seu filho também fosse um "filho único", como todos aqueles seus traumas de infância!
Você construiu uma carreira, trabalhou na Folha, na Abril, viajou a trabalho para os Estados Unidos.
Depois viajou para quase todos os lugares que sonhava conhecer.  
Comprou um apartamento, depois uma casa linda!
Tem até uma netinha hoje!
E enterrou de vez a "Regina", optando apenas pela Silvia. Na Folha, o editora falou:
- "Silvia Regina Angerami", não! Tem que ter só dois nomes. Ou Silvia Angerami, ou Silvia Regina, você escolhe.
Pronto. Foi a deixa para abandonar a meninazinha tímida com óculos de fundo de garrafa e abandonar o nome Regina com ela...
Mas, veja só, todas as suas amigas do colégio de freiras te encontraram agora. E elas ainda te chamam de "Silvia Regina"!
E agora, Silvia Regina?
Como juntar aquela menina bobinha em você? Como integrar a sua personalidade de hoje à daquela garota que chamavam de "bolha"?
A palavra bullying nem existia e você sempre sentiu na pele o significado dela. Mas o tempo passou, as feridas foram curadas e os traumas infantis enterrados... só que desde ontem eles emergiram e você vai precisar lidar com tudo isso. Você sente aquele mesmo frio na barriga que sentia sempre que acabavam as férias e você tinha que sair do seu mundinho dos livros e das bonecas para o ambiente hostil da escola...
Como você vai fazer agora?
O jeito, Silvia Regina, é você usar o seu maior talento (OK, vc não acha que seja um talento tão grande assim) - e despejar todos esses seus pensamentos desconexos no seu blog. Usar a palavra como válvula de escape de toda a sua dor juvenil e botar isso tudo pra fora.
É hora, Silvia Regina, de você gritar para o mundo que sim, você sobreviveu, você é uma vencedora, sua vida é boa, você tem um marido incrível, uma casa bacana, dois filhos maravilhosos e uma neta linda e gostosa. Você tem um emprego bacana, você sente que tem amigos que a valorizam e que gostam de você, você ainda tem a felicidade de ter seus pais vivos e bem, você está empenhada em chegar ao seu peso ideal e ainda tem mil planos para o futuro.
Sim, mundo... aquela garotinha sobreviveu, se fortaleceu, cresceu, evoluiu, hoje ela é espírita, trabalha todos os sábados de manhã em um centro espírita e aprendeu muitas coisas sobre ela mesma, sobre o mundo, sobre os valores que valem a pena nesta vida.
Ela é uma batalhadora, uma vencedora, já.
Quem diria, né, Silvia Regina... que sua vida ia ficar tão boa?
Todo aquele sofrimento ficou pra trás.
Se a sua infância foi solitária e triste e a sua adolescência estava mais para "Beth, a Feia", hoje você é uma mulher bacana que construiu um monte de coisas boas nessa vida.
Você sabe andar de bicicleta, escreveu alguns livros, tem uma editora, trabalha, faz hidroginástica, cuida da alimentação... claro que ainda tem muita coisa pra melhorar.
Mas se tem uma coisa que você não fez foi parar no tempo, Silvia Regina.
E disso tudo você pode, sim, se orgulhar, menininha.
Feliz Dia do Irmão pra você que não tem um (ou uma).