quinta-feira, fevereiro 16, 2017

Falta



Os leitores do "Consulta" são brindados hoje com mais um texto sensível e delicado da minha querida e talentosa amiga Luciana Praxedes. Delicie-se! 

Ela segue muito bem com a vida quando ele não está. Não morre, não faz greve de fome, não permanece letárgica no sofá. Ela se empenha no trabalho e quando chega o domingo, ela ainda está viva. Tem praia, tem cinema, tem Netflix. Mas surge um sentimento de ausência, uns buracos no meio dos dias. É porque falta o cheiro dele, falta o som do sorriso dele. Falta... Ainda assim ela não morre e continua em atividade, superando os “perrengues” da vida. Só que intimamente percebe: ela se ajeita melhor perto dele.

Mesmo quando ele não está ela continua distribuindo sorrisos e rindo de si mesma. E ri dos outros também. A vida continua sendo boa ainda que ele não esteja por perto. Ela continua a ler os mesmos jornais e se esforça para não faltar na academia. Ela não se arrasta pelos cantos. Sente fome, tem sede e adora achar motivo para ficar à toa naquele bar. Mas como seria bom ter a companhia dele, dando conta da garrafa de vinho e segurando a mão dela. Ter o ombro dele para se encostar.

Ela não enfraquece, não esmorece quando ele não está. Permanece fazendo planos, economizando grana para a viagem de volta ao mundo. Só que tudo isso se dissipa se ele surge no horizonte. As pernas dela ficam bambas, o coração entra em descompaso, as mãos formigam, o rosto parece incendiar e as palavras desaparecem. A vida ganha mais sentido quando ele está. Porque é do lado dela que ele deveria permanecer. Ficar.

Ele nunca esteve ou fez parte dos planos dela, nunca foi uma meta a ser perseguida, mas o inesperado o trouxe para ela. E entre trancos e barrancos eles construíram algo. Ela continua atenta para não invadir o espaço alheio e para não cobrar o que ele não pode oferecer. Não faz perguntas para respostas que ele não tem. Então ela segue sua jornada, com algum medo e carregada de dúvidas. Muitas vezes com a sensação de se equilibrar na corda bamba. Mas bem ou mal ela decidiu deixar ele entrar. Ela não quis resistir e abriu todas as portas e escancarou as janelas. Percebeu que seria melhor colecionar memórias e lembranças ao invés de não tê-las.

Ela não culpa ele ou ninguém mais por este ou aquele desfecho. Ela apenas sente falta dele. Muita falta. Mas ao mesmo tempo sabe que é preciso varrer as folhas mortas, acalmar as lágrimas e não esperar por nenhuma justificativa ou gesto romântico de amor. Ela aprendeu a aceitar. Compreendeu que sente falta de tudo que emana dele. E terá que viver assim por muito tempo. Mas isso não a impede de dar passos largos em direção ao futuro. Ela sabe que irá continuar sentindo a ausência dele. Dos sonhos que poderiam ter concretizado juntos. Ficará o silêncio. Aquele buraco.


Luciana Praxedes

Santos, 15 de fevereiro de 2017