quarta-feira, julho 08, 2020

O gosto amargo do divórcio



Antigamente, quando eu era criança, existiam dois remédios para quando a gente caia e se machucava. Comigo, isso aconteceu pouquíssimas vezes, porque eu era uma menina muito comportada, estudiosa, que era chamada de “bolha”, nem sei se alguém se lembra desse tipo de xingamento. Não gostava de nada que envolvesse bola, porque tinha medo de que uma bolada quebrasse meus óculos.
Mas, voltando aos remédios, eram dois: mertiolate (que ardia e era transparente) e mercuriocromo (que não ardia, mas era vermelho e manchava a roupa, a pele, tudo). Claro que eu preferia o mercúrio-cromo, que não ardia. Outra coisa que era um drama era arrancar o band-aid. Era melhor arrancar de uma vez, era uma dor só e rápida, ao invés de muitas dorezinhas menores, que duravam muito tempo.
Mas tô falando em todas essas dores porque quando um casal chega à reta final do seu relacionamento, é a mesma coisa: dói.
Dói porque a gente começa a pensar em tudo o que não deu certo, em tudo o que poderia ter sido e não foi, naquela cena de filme em que um casal de idosos passeia de mãos dadas. E a gente pensa também em tudo o que deu certo e que não vai mais acontecer. Nos momentos felizes, por exemplo, quando nossos filhos nasceram, quando fomos morar na casa de vila, quando nos mudamos para o apartamento próprio. Nos momentos alegres que nunca mais se repetirão, nas viagens. E isso dói.
Por mais que o casamento tenha se esgarçado, como um tecido carcomido por traças, pelo mofo, pelo bolor, os momentos felizes existiram, é claro. Senão não teria durado tanto tempo.
Quando meus pais se separaram, em 1974, eu passei a achar que a minha vida perdia o sentido, porque eu, supostamente, era fruto de um amor que não existia mais, então a minha existência estava condenada a não existir mais, também. Eu juro que pensava isso e me sentia muito mal por pensar dessa forma.
Agora chegou a minha vez. Meu casamento já acabou muitas e muitas vezes. Que nem aquele band-aid ali pendurado que a gente vai arrancando aos poucos, por não ter coragem de arrancar de uma vez só. A mais recente separação já tem um ano. E como eu não tenho nem a mais leve pretensão de um dia, nesta minha breve existência aqui no Planeta Terra, reatar o relacionamento com o ex-marido, marcamos o divórcio.
Naturalmente, devia ser um ato jurídico como outro qualquer. Mas descubro que não. É um ato jurídico com o sabor amargo do fracasso, que arde como ardia o mertiolate. Não dá para escolher o mercúrio-cromo, desta vez. Tem que arder, mesmo. É o gosto amargo do fracasso, do luto, de tudo quanto é sentimento triste, de finalização de um ciclo, de uma vida inteira.
Mas eu conto com o ar fresco do mês de julho para oxigenar de novo a minha alma, resgatar a minha capacidade de amar todos os outros amores possíveis, pelos meus pais, meus filhos, minhas netas, meus amigos e amigas, meus autores e autoras. Pelos vizinhos e desconhecidos, o amor universal, sabe?? Ele é o mais poderoso de todos os amores e está à nossa disposição. É aquele amor que quanto mais a gente doa, mais a gente recebe de volta.
Quero mergulhar nessa piscina cheia de amor. E espalhar mais e mais amor, assim como uma mangueira frutifica um monte de mangas, assim como um mamão contém um milhão de sementes, cada uma capaz de gerar outro mamoeiro.
É isso. Agora dá licença que vou celebrar mais um “filho” que acaba de nascer: a coletânea 21 Histórias de Superação. E assim segue a vida, essa mescla de momentos tristes e felizes.  


7 comentários:

  1. Muito bonito, Silvia, espero que escrever tenha te curado um pouco.

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    1. Sim!!! Com certeza. As palavras são um bálsamo! Sempre foram pra mim. Minhas amigas, confidentes, companheiras de viagem! Obrigada 🙏🏼 pela audiência ao meu blog secreto. 😘

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  2. Querida Nana, eu já estava separada há mais de um ano. Hoje me sinto feliz e muito aliviada!!!! Vou te visitar qualquer dia desses!!! Bjs

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  3. Querida Nana, eu já estava separada há mais de um ano. Hoje me sinto feliz e muito aliviada!!!! Vou te visitar qualquer dia desses!!! Bjs

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  4. Silvia, bela reflexão! Todo rito de passagem é dolorido. Mas agora que você cruzou esta porta só tenho a te dizer que um universo de infinitas possibilidades se abre para você neste novo ciclo e várias delas já estão florescendo... Mil beijos!

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  5. Sil, a vida tem suas bifurcações, seus atalhos, mas o importante é curtir a jornada. Sei que a sua jornada ao lado do seu ex-companheiro foi repleta de lindezas. Escolha isso como recordação. De repente ajuda a doer menos. Beijoca!

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