Antigamente,
quando eu era criança, existiam dois remédios para quando a gente caia e se
machucava. Comigo, isso aconteceu pouquíssimas vezes, porque eu era uma
menina muito comportada, estudiosa, que era chamada de “bolha”, nem sei se
alguém se lembra desse tipo de xingamento. Não gostava de nada que envolvesse
bola, porque tinha medo de que uma bolada quebrasse meus óculos.
Mas,
voltando aos remédios, eram dois: mertiolate (que ardia e era transparente) e
mercuriocromo (que não ardia, mas era vermelho e manchava a roupa, a pele,
tudo). Claro que eu preferia o mercúrio-cromo, que não ardia. Outra coisa que
era um drama era arrancar o band-aid. Era melhor arrancar de uma vez, era uma
dor só e rápida, ao invés de muitas dorezinhas menores, que duravam muito
tempo.
Mas
tô falando em todas essas dores porque quando um casal chega à reta final do seu
relacionamento, é a mesma coisa: dói.
Dói
porque a gente começa a pensar em tudo o que não deu certo, em tudo o que
poderia ter sido e não foi, naquela cena de filme em que um casal de idosos
passeia de mãos dadas. E a gente pensa também em tudo o que deu certo e que não
vai mais acontecer. Nos momentos felizes, por exemplo, quando nossos filhos nasceram,
quando fomos morar na casa de vila, quando nos mudamos para o apartamento
próprio. Nos momentos alegres que nunca mais se repetirão, nas viagens. E isso
dói.
Por
mais que o casamento tenha se esgarçado, como um tecido carcomido por traças, pelo
mofo, pelo bolor, os momentos felizes existiram, é claro. Senão não teria
durado tanto tempo.
Quando
meus pais se separaram, em 1974, eu passei a achar que a minha vida perdia o
sentido, porque eu, supostamente, era fruto de um amor que não existia mais,
então a minha existência estava condenada a não existir mais, também. Eu juro
que pensava isso e me sentia muito mal por pensar dessa forma.
Agora
chegou a minha vez. Meu casamento já acabou muitas e muitas vezes. Que nem
aquele band-aid ali pendurado que a gente vai arrancando aos poucos, por não
ter coragem de arrancar de uma vez só. A mais recente separação já tem um ano. E
como eu não tenho nem a mais leve pretensão de um dia, nesta minha breve existência
aqui no Planeta Terra, reatar o relacionamento com o ex-marido, marcamos o divórcio.
Naturalmente,
devia ser um ato jurídico como outro qualquer. Mas descubro que não. É um ato jurídico
com o sabor amargo do fracasso, que arde como ardia o mertiolate. Não dá para
escolher o mercúrio-cromo, desta vez. Tem que arder, mesmo. É o gosto amargo do
fracasso, do luto, de tudo quanto é sentimento triste, de finalização de um ciclo,
de uma vida inteira.
Mas
eu conto com o ar fresco do mês de julho para oxigenar de novo a minha alma,
resgatar a minha capacidade de amar todos os outros amores possíveis, pelos meus
pais, meus filhos, minhas netas, meus amigos e amigas, meus autores e autoras.
Pelos vizinhos e desconhecidos, o amor universal, sabe?? Ele é o mais poderoso
de todos os amores e está à nossa disposição. É aquele amor que quanto mais a gente
doa, mais a gente recebe de volta.
Quero
mergulhar nessa piscina cheia de amor. E espalhar mais e mais amor, assim como
uma mangueira frutifica um monte de mangas, assim como um mamão contém um
milhão de sementes, cada uma capaz de gerar outro mamoeiro.
É
isso. Agora dá licença que vou celebrar mais um “filho” que acaba de nascer: a
coletânea 21 Histórias de Superação. E assim segue a vida, essa mescla
de momentos tristes e felizes.
Muito bonito, Silvia, espero que escrever tenha te curado um pouco.
ResponderExcluirSim!!! Com certeza. As palavras são um bálsamo! Sempre foram pra mim. Minhas amigas, confidentes, companheiras de viagem! Obrigada 🙏🏼 pela audiência ao meu blog secreto. 😘
ExcluirQuerida Nana, eu já estava separada há mais de um ano. Hoje me sinto feliz e muito aliviada!!!! Vou te visitar qualquer dia desses!!! Bjs
ResponderExcluirQuerida Nana, eu já estava separada há mais de um ano. Hoje me sinto feliz e muito aliviada!!!! Vou te visitar qualquer dia desses!!! Bjs
ResponderExcluirSilvia, bela reflexão! Todo rito de passagem é dolorido. Mas agora que você cruzou esta porta só tenho a te dizer que um universo de infinitas possibilidades se abre para você neste novo ciclo e várias delas já estão florescendo... Mil beijos!
ResponderExcluirObrigada 🙏🏼 querida amiga!!!
ExcluirSil, a vida tem suas bifurcações, seus atalhos, mas o importante é curtir a jornada. Sei que a sua jornada ao lado do seu ex-companheiro foi repleta de lindezas. Escolha isso como recordação. De repente ajuda a doer menos. Beijoca!
ResponderExcluir