Eu mesma fiquei aturdida durante muito tempo com uma questão que hoje compreendo como falsa: a do propósito. A pergunta era: “Você já encontrou o seu propósito nesta vida?” Naquela altura, eu trabalhava em um emprego do qual eu não gostava e com o qual eu não me identificava, minimamente. Ganhava mal, ou menos do que eu acho que merecia ganhar, e me sentia impelida a mudar, a encontrar o meu “propósito” e a fazer algo que tivesse significado para a Humanidade, que fizesse a diferença. Que grande pretensão a minha!
Depois disso, tive oportunidade de fazer alguns trabalhos
por minha conta que me deram a ilusão de que eu tinha, finalmente, encontrado o
meu propósito. Fiz o workshop de escrita curativa, inventado por mim, e muitas
coletâneas, em que dei a oportunidade a pessoas (especialmente mulheres) que gostariam
de lançar um livro, de ter a experiência de participar de um livro “de verdade”,
com ISBN e tudo. Muita gente gostou de participar, ganhei presentes, elogios, e
me envaideci, durante um tempo, por supor que estava a trabalhar em
concordância com o meu verdadeiro propósito.
Mas, aos poucos, fui percebendo que aquilo tudo era uma grande
cilada. Eu quase caí na armadilha de achar que o meu trabalho tinha algum valor
especial. Meu ego estava inchado e eu quase me achei especial, abençoada, iluminada.
Foi duro constatar isso, mas foi bom, também. Cair na realidade pode causar
arranhões ao ego, mas a verdade, nua a crua, sempre é melhor do que a mentira,
bem-vestida e fantasiada de verdade.
Hoje, minha vida mudou. Moro em uma pequena aldeia em
Portugal e a minha maior vontade é a de ficar offline a maior parte do
tempo, fazendo sabe o quê? Vivendo. Vivendo a minha vida, junto da pessoa que
eu amo e que tive a imensa felicidade de encontrar no meu caminho.
Hoje, não faz mais sentido essa conversa sobre propósito. Queria
gritar aos quatro ventos: parem de procurar o propósito das suas vidas! Simplesmente
vivam, quanto mais distantes das tecnologias, melhor!
Agora há pouco, no carro, a gente veio ouvindo uma música da
Céu (Falta de ar) que diz assim:
“Pro ser humano, viver é pouco”. Essa frase me tocou e me estimulou a
desempoeirar o meu blog e vir aqui escrever de novo. Viver é muito! Eu, do alto
da sabedoria dos meus 65 anos, descobri uma coisa muito importante, que essa
sim eu gostaria de dividir com toda a Humanidade: o nosso único propósito, aqui
no planeta Terra, não é nada mais, nada menos do que vivermos a nossa vida, em
toda a sua plenitude. Ver um pôr do sol à beira mar, aceitar o convite de amigos
para o almoço, conversar com a neta por uma chamada de vídeo no Whatsapp,
dormir e acordar todos os dias ao lado da pessoa amada, escrever aqui neste meu
blog, sem a menor preocupação sobre quem vai ler ou não, quem vai concordar, ou
não.
Acordar de manhã e fazer o que tiver de fazer com a melhor
das boas intenções, procurar fazer o Bem, em todas as ocasiões e
circunstâncias, para todos aqueles que são os nossos “próximos” (ou seja,
aquelas pessoas que cruzam o nosso caminho, quer seja acidentalmente, quer seja
na vida “real”, quer seja online, porque é inevitável, ainda, para mim,
hoje em dia).
As pessoas mais difíceis eu considero os nossos verdadeiros mestres.
São as pessoas que têm o poder de despertar o nosso lado negativo, a nossa sombra.
Porque temos esse lado negativo também, e é melhor encarar, do que negar.
Assim que essas pessoas colocam LUZ na nossa sombra, ajudam
a clarear esse nosso lado sombrio um bocadinho mais e isso é bom.
Nosso propósito nesta vida, portanto, é viver. Só viver, da
melhor forma que conseguirmos. É preciso urgentemente descolar essa história do
propósito do trabalho e/ou do empreendedorismo. Vamos admitir que o trabalho –
como o próprio nome diz – vem da tortura. A palavra deriva do latim – tripalium
– um instrumento romano de tortura, constituído por três paus aguçados, algumas
vezes ainda munidos de pontas de ferro, usado contra os escravos. Daí
derivou-se o verbo do latim tripaliare (ou trepaliare), que
significava torturar alguém no tripálio. A comunidade linguística aceita que
esses termos originaram no português as palavras trabalho e trabalhar,
embora no sentido original o trabalhador seria o carrasco e não a vítima,
como hoje em dia.
Enfim, toda essa conversa é para dizer que é uma treta essa história de propósito. Um peso, que tortura muita gente. Pare de se torturar com isso. Faça o seu melhor, que isso já basta. Se temos uma vida só, ou mais de uma, não vem ao caso. O que temos é o presente, como o próprio nome diz, um presente do Universo, do Mistério Sagrado, de Deus, para que a gente simplesmente honre esse presente maior que nos foi dado: a Vida. E que, em respeito aos nossos antepassados, que a gente VIVA e faça o Bem. Tão simples assim.
Excelente reflexão! Só a maturidade nos dá esse entendimento do que é viver! Parabéns!
ResponderExcluirMuito bom seu texto. E ótima reflexão. Obrigada
ResponderExcluirObrigada, Silvia! Precisava ler isso. Já me torturei muito com essa questão de propósito Hoje quero simplesmente viver um dia de cada vez. A propósito: sou a Mercedes, participante de duas coletâneas. Um beijo
ResponderExcluirConcordo 200%. Viver, ser feliz e livre. Só isso é bom demais!
ResponderExcluirTexto maravilhoso! Concordo plenamente com tudo!! Parabéns!
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