Fotografia feita no dia do meu aniversário de 66 anos, em Dornes, Portugal
(a mãe Natureza ainda quer continuar a dar lar aos filhos que a amam...)
Um tambor ressonante não precisa de ser percutido com força”.
Nós, espécie humana, vivemos de mitos e ilusões, porque de outra forma não seria possível, para a maior parte, a prática quotidiana da existência. Aqueles que entendem os limites da nossa cognição e, decorrente consciência de que as respostas às perguntas que todos fazemos e de que muitos julgam, comodamente, estar esclarecidos, se encontram num plano transcendente às nossas capacidades, precisaram encontrar uma forma de ajustar as suas práticas a esta circunstância, guiando os seus passos, determinados pela linha de causa e consequência do Universo, como se o arbítrio desses passos lhes pertencesse.
Os mais inexperientes, e com a consciência mais iludida e menos esclarecida, são os que se sentem mais cheios de certezas. São arrogantes e nessa convicção vã de estarem dotados de um saber elevado, atribuem às suas ideias uma qualidade maniqueísta que se expressa com tirania e desprezo pela experiência alheia. Todo o mundo se deve vergar às regras das suas doutas certezas. Não consideram a tolerância exigida pela multiplicidade de sensibilidades humanas e pela legitimidade das suas escolhas na dignidade que assiste a todas as formas de vida e todas as consciências, dos mais diversos tipos e formas que existem nos planos e dimensões em que vivemos. Nesta prática, fazem convictos juízos e avaliações que, onde pensam estar uma visão elevada, se encontra uma cegueira boçal. Falta-lhes a percepção de que um juízo não é mais do que um acto mental de avaliar um conteúdo ou predicado formulado por um sujeito, confirmando ou negando, dentro de perspectivas éticas e práticas. Não conseguem perceber a intrínseca relatividade das suas avaliações, e o espaço inevitavelmente dubitativo das suas opiniões. Na realidade, em face de uma básica exigência de verdade, esta é impossível de se atribuir dado a consciência humana oscilar entre a percepção do falso e do verdadeiro, do provável e do improvável, do certo e do incerto. Acabam na sua tirana cegueira, estes ditadores da vida alheia a confundir nos seus juízos qualidades particulares das formulações com generalizações universais, sem respeitarem umas nem outras, numa altivez moral que ignora as cronologias, percursos e contextos das referidas formulações.
Aqui quero deixar claro que não desejo enfermar este discurso do mesmo mal que refiro. Seria uma perversidade paradoxal. A grande e fundamental diferença é que me limito a expressar uma opinião para que cada um faça a sua reflexão, se assim o entender e lhe faça o uso que quiser, tirando proveito ou descartando. Evito o maniqueísmo entre o mal e o bem, mas certamente os que promovem a dor e sofrimento sobre os outros não praticam o bem. Esse, o bem, é a prática de quem dá a liberdade de cada um afirmar a sua dignidade, num espaço de respeito que é a base de fraternidade e felicidade. E será, pelo menos funcional, assumir que é bom quem pratica o bem e…
Ressalvo ainda que é necessário perceber a armadilha argumentativa de quem, em nome da satisfação dos seus caprichos pessoais ou da, justamente referida atrás, intenção de impor a ditadura da sua opinião pessoal, confunde tudo, criando um limbo viscoso, no ponto em que a liberdade de um se encontra com a do outro. O respeito e a empatia são a varinha mágica que pode transformar esse encontro de limites numa serenidade sem conflito e guerra. Eu, por mim, sempre concordei com os versos de Raul Seixas, na canção “Sociedade Alternativa”, em que diz:
“Mas se eu quero, e você quer
tomar banho de chapéu,
…………………..
Faz o que tu queres
Pois é tudo da lei!”
Neste tempo, sobre o fio de uma navalha, cujas duas faces da lâmina reflectem a
destruição ambiental e emancipação tecnológica da I.A., de forma exponencial,
que irá humilhar a arrogância intelectual e moral da ilusão da superioridade da
inteligência humana, para alguns de nós, cada vez mais se vai afirmando que
efectivamente possuímos qualidades especiais que não usamos, porque bloqueamos
devido à poluição que as nossas práticas trazem às existências que vivemos.
Todos os seres animados e saudáveis possuem os sentidos de que necessitam para
desempenharem o seu papel. No nosso caso e de outros animais, a intuição, é uma
característica importante que poderia ajudar a uma felicidade universal que
estaremos ou não determinados a atingir. A ausência dela e a persistência dos
comportamentos a que assistimos e dos atos banais do indivíduo comum, se ligam
aos detentores de poder, parece determinar a rota para uma tragédia, pelo menos
para nós, já que poderá ser apenas uma mudança de ciclo, com regeneração planetária,
adaptando às suas necessidades as formas e modelos de vida adequadas. Essa
adequação parece não ser o caso da nossa espécie.
Nestas linhas finais refiro apenas alguns dos tóxicos que poluem as nossas
existência bloqueando a intuição e força psíquica, impedindo assim os passos da
fraternidade e bem-estar. São modos de comportamento e hábitos de consumo. O
narcisismo e o materialismo, com a ambição pelo dinheiro e bens materiais que
assegurem manifestações de sinais exteriores que solidifiquem o exercício do
poder e a tirania sobre o próximo, assim como a escolha lúdica de actividades
de competição e agressividade, como jogos profissionais e federados, vídeo
jogos de violência, e concursos e competições, estão entre os comportamentos
mais destrutivos. A ingestão de alimentação que desequilibre a harmonia do
corpo e drogas que afectem o funcionamento pleno do cérebro estão entre os maus
hábitos de consumo. Podemos falar de evitar consumir carne, alimentos fritos e
com outros processamentos culinários de difícil digestão, com destaque para os
ultraprocessados que até entram nalgumas dietas que se pretendem saudáveis e
alinhadas com princípios filosóficos, sendo uma base do comportamento com uma
hipocrisia mais ou menos consciente. Da mesma forma o hábito de fumar, seja que
tipo de substância, e a ingestão de álcool, ou outros psicotrópicos de qualquer
natureza são determinantes para o bloqueio das nossas especiais faculdades
interiores.
Refiro ainda que a hipocrisia humana leva a que muitos dos que sobre os outros
aplicam as práticas tóxicas, são os que mais pretendem ser irrepreensíveis e
dotados de uma espiritualidade pia e santa.
A sociedade actual promove essas aparências cultivadas na composição da
fotografia social a exibir nas redes e nos lugares públicos. E na verdade
quantas públicas virtudes e vícios privados por aí andam. Com lucidez, o
pranoterapeuta Valerio Sanfo, com a sua experiência, diz que todos temos
capacidade de usar a nossa energia para ajudar os outros e para isso não
precisamos de cursos nem aprendizagens específicas, sendo necessário isso sim a
transformação interior e uma consciência dotada. Segundo ele “quem leva uma
vida dominada por vícios, dinheiro, egoísmo, quem fuma, quem tem maus hábitos
alimentares não pode ser um pranoterapeuta”. Poderá operar algum biomagnetismo,
mas nunca poderá exercer o bem na sua plenitude. Se não respeitar profundamente
a liberdade e as diferenças dos outros, se não amar toda a Natureza, nunca será
mais do que um “pseudopranoterapeuta”, termo que usa para referir quem assim
pretende ser o que não pode ser.
Parecendo provável a inevitabilidade do determinismo científico a reger a
existência, haja a esperança de que todos os que alertamos para estas
circunstâncias estejamos determinados a fazê-lo para abrir espaço a um tempo
melhor, que sendo assim, por esta via determinista, estará a caminho.
Não me cabe dizer aqui o que a minha intuição diz. A evidência pragmática dos
acontecimentos no mundo actual leva a uma expectativa, mas os milagres resultam
apenas de falhas de análise em juízos que se julgam esclarecidos. E assim
estamos de novo no conteúdo enunciado nos primeiros parágrafos.
“Quando a última coisa viva
morrer por nossa causa,
como será então poético
se a Terra disser,
numa voz flutuante
erguendo-se talvez
do chão do Grande Canyon*:
“Está feito!”
As pessoas
não gostaram de cá.”
Kurt Vonnegut Jr. (escritor norte americano de ascendência germânica, falecido
em 2007)
excerto do poema “Requiem”, incluído no livro “Um homem sem pátria”.
Tradução não identificada na revista “Flauta de Luz” nº7
*em vez do Grande Canyon, poderemos dizer qualquer lugar do mundo em que a
nossa espécie promove a sua acção
destrutiva, seja qualquer oceano, deserto ou grande floresta. Imagine-se uma
voz sem tempo, a elevar-se, entre neblinas poluídas, das feridas profundas que
estão abertas na floresta amazónica.
António Rodrigues
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