quarta-feira, dezembro 26, 2007

Ivone


Engraçado! Embora eu tenha dito que o Natal seria de muitas risadas, na verdade, aqui em casa, foi de muitas lágrimas. Muitas mesmo. Mas lágrimas de emoção, de felicidade. É que estou lendo um livro chamado "Aprendi com minha mãe", da Cristina Ramalho, da editora Versar, que a minha amiga Eli me emprestou. E resolvi escrever uma cartinha para a minha mãe, como se fosse um capítulo desse livro. Aliás, a idéia é da própria editora. Se você quiser fazer o mesmo, ainda que não conheça o livro, pode clicar aqui e escrever a sua.


Como este foi o primeiro Natal da Helena e o primeiro Natal que a Rafaela (mãe da Helena) passa longe da mãe dela, a choradeira foi geral.


Por isso, eu acho que a gente tem que aproveitar a oportunidade (quem ainda tem a mãe viva) para dizer tudo aquilo que mora dentro da gente, mas que fica sufocado pelo dia a dia, pela pressa em fazer tudo cada vez mais rápido. Depois que a nossa mãe parte, ainda dá para dizer as coisas, mas ao vivo e em cores é bem melhor. Até parece Dia das Mães!! Mas esse foi o clima do meu Natal.


Quer ver como ficou a minha cartinha? Então senta, que lá vem história. (Desculpe meus errinhos estilísticos, mas é tudo culpa da emoção...)


Querida mamãe

Estamos abraçadas, sentadas no degrau do abrigo do carro, na frente da minha casa. Sorrimos, as duas. Afinal, acabamos de fazer as pazes. Minha mãe, quando sorri, mostra uma linda covinha na bochecha, o que dá um charme adicional a essa jovem vaidosa e delicada. Eu, ali grudada no pescoço dela, me sinto segura, reconfortada, feliz. Inocente, não tenho a mínima idéia de como vai ser a minha vida. Mas, naquele instante, tudo o que preciso saber é que, por mais que eu tenha mania de ficar emburrada, assim como o meu pai, minha mãe sempre estará ali, ao meu lado, pronta para me abraçar, me perdoar, por mais que eu tenha magoado o seu coração com minhas atitudes infantis.

Minha mãe. Doce, calma, tranqüila, aquela que termina de almoçar por último, porque come devagar, mastigando tudo muito bem mastigadinho. Minha mãe, moça vaidosa, que não sai de casa de chinelo e nem sem o seu batonzinho, nem que seja para ir só até a padaria na esquina. Minha doce mãe, que me ama incondicionalmente, ainda que fique meio chateada se eu deixo de telefonar algum dia para ela. Minha mãezinha que pensa que é uma pessoa frágil, mas que sempre me deu o exemplo do trabalho, dentro e fora de casa, sempre me deu o exemplo da dedicação, da boa vontade, da simpatia, da amizade e da força. Mocinha nova, que deixou de trabalhar fora quando se casou, pois o marido pediu e naqueles idos tempos dos anos 50, não era muito comum mulheres trabalharem fora.

Minha mãe, que se esforçava em fazer tudo direitinho, ainda que para minha avó paterna nada estivesse tão bom. Minha avó Flora, muito dominadora e exigente, assustava a menina que acabara de se casar e que nunca conseguia fazer as coisas do jeito “certo”, como faziam as mulheres da família, aquelas sim, sabiam fazer isso ou aquilo, uma ou outra comida, muito melhor do que aquela mocinha bonitinha, mas bobinha. Nem assim, minha mãe nunca discutia com ela. Minha mãe sempre me ensinou a respeitar os mais velhos. E não me ensinou só com palavras, mas principalmente com o seu exemplo.

Mais tarde, começou a trabalhar como “sacoleira”. Íamos as duas ao Bom Retiro, onde, com seu jeitinho cativante, minha mãe fazia amizade com as vendedoras (algumas duram até hoje) e comprava roupas em consignação para vender às amigas. E eu sempre ia com ela. Mas para mim, ela não comprava as roupas ali. Eu só queria roupas do Shopping Iguatemi, e lá ia ela, com o dinheirinho ganho a duras penas, comprar o que eu queria nas lojas mais bacanas do shopping. Ainda assim, ela sempre me dava conselhos sobre economizar, sobre gastar o dinheiro com parcimônia, pensar no futuro.

Minha mãe deixava todas as tardes o chinelo do meu pai perto da porta e levava a toalha para ele no banho. Aqueles gestos simples marcaram a minha infância. Ela fez tudo o que estava ao alcance dela para termos uma família, feliz, harmoniosa, equilibrada, feliz. Tudo. Mas as coisas nem sempre são do jeito que a gente gostaria que fossem e um belo dia meu pai anuncia a separação. Foi um choque.

Minha mãe, a mocinha frágil e delicada, ao invés de se deprimir com a situação, como poderia ter acontecido, ao contrário, começa a lutar, de todas as maneiras que ela conhece, para que aquela separação não aconteça. Vou com ela a tudo quanto é seita, religião, adivinhos, cartomantes, “mesa branca”, tudo quanto é religião. Compramos um guarda-roupa grande para o apartamento novo, com um espaço reservado para as roupas do meu pai, caso ele resolva voltar. Mas foi tudo inútil, em vão. Nem assim minha mãe se deixa abater. Volta a estudar, faz o supletivo do segundo grau, encontra novas amizades, começa a namorar.

Minha querida mãe é meu modelo de força, de coragem, de levantar a poeira, dar a volta por cima. Não me lembro de tê-la visto chorando. Começa o curso de estética no Senac e se encontra na profissão. Dedicada, aplicada, adora fazer limpeza de pele. Mas não é só isso. Quer ajudar os outros. Se a pessoa tem algum problema, logo se abre com ela, que dá conselhos, faz massagens, faz de tudo para que a pessoa saia do tratamento de pele sentindo-se bem, não só na aparência, mas também na alma.

Mamãe, que eu chamo de senhora (hábito que vem do interior, influência da minha avó), sempre esteve comigo em todos os momentos. As coisas mudaram um pouco depois que se fortaleceu o relacionamento dela com o segundo marido, o Nelson. Uma viagem “inadiável” a tirou de perto de mim quando meu filho nasceu. Para mim, foi muito duro não poder contar com ela naquele momento da minha vida. E ainda assim, eu a chamava, quando vinham as dores do parto. Ela chegou no dia seguinte, mas eu estava ferida no meu orgulho, no meu amor próprio e levei vários anos para perdoá-la por essa ausência. Hoje, porém, enxergo tudo com muito mais clareza. Vejo que ela mesma nunca se perdoou por não ter estado comigo naquele instante. Eu, que sempre fui muito dependente dela, precisei me virar, e até a sua ausência fez bem para mim, por mais estranho que pareça e por mais difícil e demorado que tenha sido compreender isso.

Mamãe, eu quero dizer que te amo, profunda e reconhecidamente, e que agradeço por todos os momentos que pudemos permanecer unidas, coladas, agarradinhas, assim como naquela foto. Quero dizer que te agradeço pelos seus exemplos de vida, durante toda a sua vida. Quero te dizer que espero ser perdoada pelas minhas criancices, pelo meu egoísmo de filha única, mimada. Quero te dizer que estou muito feliz por tê-la a meu lado hoje e que agradeço a Deus nas minhas orações pelo seu exemplo de fé, de coragem, de renúncia, de dedicação, de trabalho, de caráter, de respeito, de atitude, de amor.

Se eu pudesse fazer um pedido ao Universo, eu queria que fosse aprender a retribuir o que a minha mãe tem feito por mim durante esses anos todos (quase 50). Hoje também sou mãe, sou avó, mas nunca fui uma aluna muito aplicada, com relação às lições que minha mãe me ensinou. Ainda bem que ela ainda está ao meu lado e, quem sabe, eu ainda tenha mais uma chance. Sei que, se depender dela, eu terei todas as chances do mundo.

Mamãe, querida, amada, adorada, muito obrigada por tudo, por me dar a VIDA, por estar ao meu lado sempre que eu preciso. Por me dar seu colo, seu carinho, seu abraço, sua atenção. Obrigada por existir, por me dar sempre mais uma chance de acertar. Obrigada pelo seu amor incondicional, por me perdoar sete vezes setecentas vezes. Obrigada por tudo.


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