terça-feira, outubro 29, 2024

Porque não preciso mais de terapia

 

Um dia de sol no Parque D. Carlos I, Caldas da Rainha
(Fotografia: Silvia Regina Angerami)

EM CELEBRAÇÃO AOS 21 ANOS DESTE BLOG, COMPLETADOS HOJE (DUVIDO QUE HAJA UM BLOG MAIS ANTIGO EM PLENO, ASSIM COMO O MEU... SERÁ??), PUBLICO O TEXTO ABAIXO, FRUTO DE UMA REFLEXÃO SOBRE A MINHA VIDA ATUAL (espero que seja útil e inspirador para mais alguém) 

* * *  

Correndo o risco de parecer pretensiosa demais aos olhos das minhas amigas e amigos psicólogas e psicólogos, e já a mergulhar em mais uma polémica, atrevo-me a afirmar que sinto na minha alma que não preciso mais de terapia. Atenção! Não se engane. Sou uma defensora da terapia. Acredito que ela pode ajudar muita gente e já me ajudou demais. Ainda recorro, eventualmente, à minha querida terapeuta Márcia, quando sinto necessidade e ela SEMPRE me ajudou e ajuda.

Mas atingi recentemente uma tal clareza de raciocínio, e não só, de sentimento também, que faz com que eu me sinta, finalmente, “em casa”. E olha que nem moro mais no país onde nasci. Há dois anos, no dia de hoje, embarquei para a maior aventura desta minha vida.... Amanhã completam-se dois anos ininterruptos de Portugal. Considero essa marca um feito e tanto.

No começo, quando aqui cheguei, vivia ansiosa, por vários motivos. Porque estava frio e eu não estava psicologicamente preparada para aquele primeiro outono/inverno da minha segunda temporada europeia (a primeira fora em 2007/2008 no Algarve). Porque a reforma da casa não tinha sido concluída, devido a sérios percalços enfrentados pelos nossos senhorios (e não por culpa deles e nem de ninguém, não acredito em culpas). Porque não tinha o visto de permanência e ele demorou mais do que os três meses que temos de praxe. Eu me sentia ilegal, embora estivesse a viver com meu marido português, e isso tirava o meu sono. Porque muitas vezes não entendia o que o meu marido dizia e ele se chateava com a nossa dificuldade de comunicação. Porque… mil outras razões.

Felizmente essa época passou, ficou pra trás. Hoje sou casada legalmente, no “papel” como se diz, entendo 90% do que dizem os portugueses (incluindo meu marido) e me sinto finalmente em casa.

Desde pequena sentia dentro de mim uma espécie de inadequação. Nunca me sentia bem em lugar algum. Na escola, apesar de boa aluna, eu tirava notas boas sem me esforçar muito e não via mérito naquilo. Não era nada demais. Mais tarde, continuei a me sentir sempre uma estranha no ninho na faculdade, nos empregos então, nem comento. Tinha uma vontade inexplicável de mudança, de mudar os móveis de lugar, de mudar de casa. Até que essa vontade de mudança culminou no fim de um casamento de mais de 40 anos.

— Separar agora?? Por que?? Como assim??

Muita gente condenou a minha atitude. Se não frontalmente, porque nós, brasileiros, nem sempre somos frontais (o que não é um elogio), provavelmente pelas costas. Eu sei, simplesmente sei.

Mas eu ainda tinha uma pontinha de esperança de encontrar a paz, e sabia que naquela situação eu jamais a encontraria, pois tinham-se esgotado todas as possibilidades.

Nem digo que queria encontrar o amor, porque não queria. Ou melhor, não acreditava que fosse possível uma pessoa com mais de 60 anos encontrar o verdadeiro amor da sua vida. Se você me dissesse isso, eu iria rir na sua cara. Aliás, foi o que fiz quando a minha amiga e taróloga *Priscilla Tavollassi* me disse que eu ia me casar novamente.

— Quem? Eu?? Kkkkkk

Mas daí, veio o Destino e pumba! Me apresentou ao homem dos meus sonhos e não estou a brincar.

Uma amiga minha da faculdade tinha me contado que fizera uma lista de todas as características do seu futuro amor e que, de fato, ele aparecera em sua vida. Não apenas físicas, mas de caráter e tudo o mais que ela considerava profundamente necessário em um relacionamento.

Fiz o mesmo. Trabalhei em uma lista completa da pessoa com quem eu desejaria me relacionar e esqueci a lista em um dos meus cadernos. Fui viver a vida e aproveitar o momento. Fiz tudo o que eu achava que era meu direito, naquela altura.

Um belo dia (aliás, não foi um dia qualquer, foi no dia do aniversário da minha avó paterna, se ela fosse vida), conheci o meu atual marido e começamos a perceber que havia muito em comum entre nós. Depois de muito tempo, a tal lista reapareceu e eu conferi: estava tudo ali. Menos um item: eu pedi alguém que morasse no mesmo bairro, em São Paulo. E o Destino foi lá e me apresentou alguém a 8 mil quilômetros de distância. Não se pode querer tudo nesta vida…

O que seria uma desvantagem, tornou-se a maior vantagem que eu poderia imaginar. Me mudei e aqui estou eu a viver uma nova vida. No começo, os desafios foram enormes. Enormes e doloridos. Enormes, mas transponíveis. E o nosso profundo amor sustentou tudo. Atravessamos pântanos de dor e de medo. Mas estávamos sempre juntos e de mãos dadas.

E cheguei até aqui, onde estou hoje. Sinto-me acolhida, protegida e amada, como nunca em toda a minha vida. Sinto-me em casa. Aprendi, a duras penas, e diferenciar as coisas que posso modificar das que não posso.

Rezo todos os dias aquela oração atribuída a São Francisco de Assis, que diz assim:

“Senhor, dai-me força para mudar o que pode ser mudado...

Resignação para aceitar o que não pode ser mudado...

E sabedoria para distinguir uma coisa da outra”

Aprendi a enxergar e a aceitar a Vida como ela é. As pessoas como elas são. E a agradecer e a usufruir os dias felizes, calmos e tranquilos que eu vivo por aqui.

(Se ainda não viu, veja o filme Dias Perfeitos, que ilustra muito bem o que eu disse acima)  

Amo o contato maior com a natureza que eu tenho aqui. Amo ver o céu inteiro (e não só uma fatia dele), quer seja azul ou cinzento, a lua, em suas fases distintas, as nuvens em seus formatos variados. As árvores, a vegetação, as minhas plantinhas aqui em casa a crescerem saudáveis, a lagoa de Óbidos, a Poça do Vau, o Paúl da Tornada, o parque Dom Carlos I nas Caldas da Rainha, a mata Rainha D. Leonor, a serra da Amoreira. O mar, o horizonte. Conhecer o país, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, na nossa “latinha” (nosso carro velhinho e econômico).

Tudo com o que eu sempre sonhei faz parte hoje da minha vida. Mas atenção! Não falo de “coisas materiais”. Viver com simplicidade, dignidade e na melhor companhia, isso sim. É isso que vale. Vale a pena viver e usufruir de tudo isso. E eu agradeço, agradeço, agradeço.

Não posso contentar todo mundo. Mas nem Jesus Cristo conseguiu isso, então estou em paz comigo mesma e com a minha consciência. “Paz, amor e saúde “: brindamos a isso com vinho, mas também com iogurte, com o cafezinho, com chás de ervas, com sumo de frutas, com qualquer bebida.  

Portanto, no meu caso, agora, em especial, a terapia não é mais necessária. Isso não é maravilhoso??

Meu conselho (que ninguém pediu, mas eu dou assim mesmo) é:

Faça o que o seu coração mandar. Ele geralmente não se engana. E não tente contentar todo mundo. E, se preciso for, faça terapia, que também ajuda. 


sábado, outubro 26, 2024

À volta da fragilidade linguística


No Museu Amadeo Souza Cardoso, em Amarante
(Fotografia: @António Rodrigues)

Meu marido, o António Rodrigues, é português, como muitas pessoas que me acompanham já sabem. Foi por amor a ele que me mudei para Portugal. E ele escreveu um texto sobre o tema central que me motivou a escrever o post do dia 9 de outubro. Por ser um tema um pouco polémico, creio que quanto mais lados desse poliedro vierem à tona, melhor. Vamos ao texto dele:  

Há já muito tempo que a minha consciência despertou para as insuficiências e perigos da linguagem humana, ou da sua subjectividade quando as palavras expressam conceitos que, por razões diversas, psico-emocionais, contextuais, de geografia ou grupo social, a mente de quem ouve ou lê interpreta da forma que mais lhe faz sentido ou, simplesmente, lhe convém. As motivações resultam de factores para além do carácter de cada um, apesar dele também influenciar. As reacções e atitudes, no que se situa para além da razão simples, expressam a essência da pessoa.

Há poucos dias, lendo Sapolsky, acerca do comportamento humano, encontrei uma reflexão que vem em linha directa com as mnhas convicções já antigas. Cito-o, na tradução de Giovane Salimena e Vanessa Barbara, para a editora Temas e Debates. No livro "Comportamento", acerca das dificuldade de comunicar com palavras que referem sentimentos ou conceitos com ligações emocionais a sensibilidades pessoais:

"Tudo isso nos lança para um lamaçal de pântanos designativos.

Porquê a dificuldade? Conforme foi enfatizado na introdução, uma das razões e que muitos destes termos se tornaram campos de batalha ideológicos sobre a apropriação e distorção do seu significado.

As palavras têm poder e tais definições são carregadas de valores, muitas vezes idiossincráticos."

Nos últimos dias, a minha esposa publicou no seu blog, com uma ligação no Facebook, um texto em que reflete sobre a sua experiência de vida em Portugal nos últimos dois anos. Por via do entusiasmo com descobertas imensas de uma nova geografia, de novos usos e costumes, de novas gentes e atitudes, expressou-se de forma um tanto impulsiva e ingénua usando terminologias suceptíveis de equívocos. Nestes dois anos de vida em comum comigo, neste país, conheceu centenas de locais, viu as diversas geografias e suas paisagens, tomou contacto e foi bem acolhida por dezenas e dezenas de pessoas, que lhe deram a conhecer, de forma profunda, o tecido humano português. Neste momento, posso afirmar com segurança que ela conhece melhor Portugal do que muitos portugueses. Isso tem sido confirmado pelas conversas com amigos nossos que, sendo viajados, desconhecem ainda alguns locais onde já fomos. Só está ainda para ela descobrir uma pequena zona do Baixo Alentejo, onde a seu tempo iremos. Na sequência de uma alargada viagem recente, no calor da emoção, falou da cultura de Portugal versus a do Brasil, de forma imprecisa, com um texto que dada a delicadeza do assunto, precisava de mais estrutura. Afinal, não era exactamente, de cultura que se falava, mas de um "status" comportamental, nalgumas zonas geográficas, devido a políticas sociais acumuladas e a miscenizações de comportamentos e costumes, com alguma determinância do peso da influência norte-americana. Isso acrescido da memória histórica recente, apenas nessas zonas, dado que as outras são antigas e ricas, e da descaracterização cultural, pela entropia das multiplicidades. Isso levou a uma reflexão que só pecou por alguma generalização imprecisa.

Ela não precisa de que eu venha a campo para afirmar a sua visão clara e empática com o território que lhe foi berço e com os povos que o habitam. Eu sei da sua bondade interior e sensibilidade compassiva. O amor consegue ver isso, mesmo em circunstâncias adversas. Mas ela não precisava que eu aqui viesse dizer isto. É uma mulher inteira e vertical, capaz de esclarecer as dúvidas a quem as tem. Simplesmente, uma vez que tudo passou para a esfera pública eu, que sou o portugês com quem ela se casou, o marido nascido neste Portugal em que ambos habitamos, sobre mim, cai alguma inevitável suspeita de ser a origem de hipotético discurso justificativo. Como assumo a responsabilidade por tudo o que penso e faço, e recuso tudo o que me pode ser falsamente imputado aqui venho, colocar a claro algumas situações.

Em primeiro lugar, quero falar do meu conceito de cultura. O tema sempre me interessou. Fiz, há décadas, uma formaçao sólida em Ciência Política e as Ciencias Sociais sempre me interessaram. Entre 2014 e 2020 trabalhei com a estrutura do poder local, na zona em que habitamos, em actividades de produção e animação cultural que envolveram até algum estudo e investigação de raizes e costumes. Fui editor de uma revista local, onde geria e criava conteúdos. Justamente, no número de despedida, em 2020, escrevi um artigo, sobre o tema, com o título: "Do que falamos quando falamos de cultura?"

Desse artigo refiro dois excertos:

"A consciência que me parece fundamental ter acerca da Cultura, é enquanto ela se constitui como um suporte de identidade de um povo ou, em escala mais restrita, de uma comunidade, como registo vivo e dinâmico das suas tradições e memórias.

A Cultura é hoje observada sob diversas perspectivas. Para ela olham os Sociólogos, os Historiadores, os Economistas, os Agentes de Comunicação, os Políticos…

A cada um deles corresponde uma forma de observar e tratar as realidades culturais."

"Aceitando a visão exposta do que é Cultura, resulta claro que não há pessoas com mais ou menos cultura (conhecimento e informação são outras coisas), nem culturas melhores ou piores, superiores ou inferiores. Cada grupo humano possui a sua Cultura única, com valor estrutural próprio e não comparável, que foi construída através da sua história e terá de ser entendida e respeitada."

Perante este esclarecimento, e sabendo de que estamos os dois de acordo, dado o que a própria Silvia já me disse dessa concordância, a cultura de um local ou grupo não está em competição com nenhuma outra e não é nenhum jogo de futebol, não marca golos em balizas mentais, sendo que essa indústria (o futebol) pode ser vista como uma face da cultura, dispensável num mundo melhor como todos queremos, em que os jogos seriam todos amigáveis e todos saberiam perder quando fosse o caso e seriam generosos quando ganhassem. mas essas são as faces negras de alguma cultura em que também entram as touradas e outros costumes bárbaros de iniciação e rituais de passagem em certos grupos sociais. A cultura como tudo e todos os grupos de gente tem do melhor ao pior, sendo o bem o que promove a felicidade e alegria e o mal a origem da dor e sofrimento, a pressão indevida sobre o próximo.

Quanto à cultura do Brasil tenho-a em alta consideração e não é de agora. Há décadas atrás assisti a todos os concertos, acontecidos em Portugal, de Egberto Gismonti quando no Brasil lhe davam pouca atenção. Ouvia Villa Lobos, na área clássica, Hermeto Pascoal, e outros mais conhecidos da MPB. A Silvia surpreendeu-se, quando me conheceu, com o meu conhecimento e apreço pela actividade literária no Brasil, pelo interesse pelas culturas dos povos indígenas. Tenho diversas publicações sobre poesia das tribos amazónicas e costumes agrícolas de outros locais do país. Lamento, sinceramente, as intervenções colonizadoras dos europeus pelo mundo, e a isso não escapa o Cabral, no Brasil. Mas a história não se pode mudar. Não podemos transformar as Cruzadas em Descruzadas e fazer desaparecer a dor imensa que rasga o mundo árabe e outras zonas sensíveis do planeta. Mas quanto ao Brasil, precisamos ser honestos. Os únicos que possuem legitimidade para apontar um dedo aos primeiros colonizadores portugueses são os indígenas. Todos os outros brasileiros de hoje, resultam de segundas colonizações, de uma invasão de europeus italianos, alemães, holandeses... Todos foram, como se diz por cá, "chupar da teta da mesma vaca" e expropriar o índio ingénuo das suas riquezas e valores, delapidar a terra e abalar a cultura profunda desses autóctones. Nenhum português de hoje ou brasileiro de outras origens, incluindo Portugal, deve suportar um estigma com cinco séculos. Qualquer dedo apontado é uma hipocrisia ilegítima.

Os meus inúmeros bons amigos brasileiros sabem o que penso e não precisariam desta explicação, mas sinto que a devo. Sobretudo a eles, os de bom entendimento do próximo e das diferenças compatíveis. As mentes abertas, serenas, inclusivas e tolerantes, com uma sensibilidade humana bem estruturada. O Brasil é um mundo cheio de gente boa, com um carácter extraórdinário, mas, tal como em Portugal, também há os outros. Como disse acima, sou permanentemente interessado por Ciências Sociais desde jovem e sei que as generalizações são sempre origem de erros graves e injustiças profundas. Isto é especialmente verdade quando um país tem um território tão vasto, que mais é uma confederação e as realidades são díspares. Mas um facto é que há padrões de comportamentos dominantes (isso merece a atenção da sociologia) em cada zona e grupo social com fronteiras de coesão estrutural, sendo que isso determina alguns comportamentos recorrentes com características observáveis sob a peneira da análise crítica.

Desejos de tempo feliz aos de boa vontade.

António Rodrigues 

sexta-feira, outubro 11, 2024

Mais sobre Portugal

Fiz essa fotografia com o telemóvel, nas Fisgas de Ermelo,
nas margens do rio Olo, (acredite) sem nenhum efeito especial

Nossa, eu não poderia imaginar que o meu post anterior iria tão longe!

Recebi um comentário, que eu amei, do amigo Bernardo Nunes (pseudônimo). Diz ele:
Adorei Silvia!! Ainda lembro como nos encontramos, e como ficava espantada como o meu linguajar, uma mistura de português com sotaque algarvio! Terá sempre a minha amizade, estima e admiração! Deste seu amigo que lhe apresentou um pouquinho desta cultura portuguesa, talvez os seus primeiros contactos diretos! Um abraço para si e seus

Esse meu querido amigo foi a figura mais importante, sem dúvida, na minha primeira estadia aqui em Portugal. Ele ajudou tudo em tudo (e mais um pouco) o que estava ao seu alcance. Um Amigo com A maiúsculo, mesmo, sabe? Dessas pessoas que fazem coisas concretas e importantes para ajudar de verdade. Amigos assim são raros e a gente tem mais é que cultivá-los vida afora.

Mas não tive apenas reações simpáticas. Quando escrevi, eu sabia que estava tocando em alguns pontos sensíveis e polêmicos. Recebi este comentário anônimo:

Por que você precisa depreciar o Brasil para elogiar Portugal? Dizer que a cultura e a educação deles “dá de zero” à do Brasil é fazer exatamente o que você diz que os brasileiros fazem com os portugueses quando os chamam de “burros”. Cada cultura tem o seu valor e o povo de cada país é certamente muito feliz dentro da sua cultura e suas tradições.

Eu respondi o seguinte:
Porque eu posso fazer uma declaração polêmica no meu espaço de expressão. Porque é essa a minha opinião e eu tenho todo o direito de expressá-la. Porque é verdade. É a dura e crua verdade. Nós, brasileiros, nos achamos grande coisa. Mas a nossa cultura (educação) é pobre, muito pobre, diante da cultura (educação)  europeia. Infelizmente, é assim... Talvez eu tenha confundido cultura com educação e são coisas diferentes, de fato. Mas aqui muitas vezes eu sinto vergonha alheia quando vejo o baixo nível (sob ambos os aspectos, cultural e educacional) dos brasileiros que aqui estão a tentar construir uma vida melhor para si próprios, seus descendentes e às vezes até para os parentes que ficaram no Brasil. É muito triste, mas é a verdade. E a verdade nua e crua às vezes nem é bonita. Só que isso não é depreciar. Mas sim olhar com frontalidade. Admitir que é assim. E isso não me deixa nem um pouco feliz. Se você, anônimo, quer saber... fico bem triste com essa constatação.
Agora, tradições... Hummm, pegue, por exemplo o bairro de Pinheiros, com aqueles enormes arranha-céus e seus estúdios de 20 metros quadrados. Cada vez mais a paisagem da "minha" cidade deixa-se dominar por esses monstros de vidro e cimento. Onde foram parar as casinhas de vila (onde eu mesma morei e fui feliz durante alguns anos)? O comércio local? Ou, em outras palavras, a nossa tradição? E posso estender a pergunta a vários outros bairros de São Paulo, As construtoras dominam o urbanismo, que não existe. Nossa história e nossas "tradições" se perdem em cada esquina. Aqui, tudo é muito diferente. Tudo permanece. Tá bom que metade do país (modo de dizer) está em ruínas de pedra, casas que o tempo destruiu. Mas que, veja só, os próprios brasileiros estão comprando e reconstruindo. Isso eu acho incrível. Tem um monte de canais no YouTube de brasileiros que compraram casas aqui, caindo aos pedaços, e, a duras penas, reconstroem tudo com as próprias mãos. Tem isso também. Tem muito pra contar, pra dizer dessa experiência de mudar de país.
Obrigada pela indignação e pela pergunta, caro Anônimo. Seria legal e educado me dizer seu nome.

Depois, fiquei sabendo que era a minha filha – imagine – que me respondeu pelo Facebook e continuou a desenvolver o raciocínio dela:

Meu nome é Biba. E vergonha eu tenho de você por falar isso sobre o seu país. O Brasil tem dimensões continentais e você está reduzindo ele ao bairro de Pinheiros? Sério? Isso que São Paulo é literalmente uma das cidades mais multiculturais do mundo. Como você tem coragem de dizer que nosso país não tem cultura? Quanta cultura a gente não tem na Amazônia, Pará, na Bahia, Recife, e etc? Como você não valoriza um país com uma cultura riquíssima influenciada por povos originários indígenas, povos africanos e até os próprios Europeus que você tanto admira? Temos um legado mundial no âmbito da música, da culinária, das artes, artesanatos, literatura, festas tradicionais em todas as regiões do Brasil. Vergonhoso é você ter coragem de dizer que você sente vergonha alheia quando vê brasileiros estão a tentar construir uma vida melhor para si próprios, seus descendentes e às vezes até para os parentes que ficaram no Brasil. Pensa bem. Esse papo saudosista de "era bom quando" é vazio e não se sustenta. A gente está em 2024, o tempo passa, as coisas mudam. Quando você acha que "era bom quando x", para muitas pessoas mais velhas naquela época também "era bom antes de x". Envelhecer é mudar. O mundo está em constante mudança e rejeitar isso é rejeitar a vida como ela é. E você que se sente tão orgulhosa por aprender novas palavras, devia também aprender a se adaptar às mudanças da vida, afinal você nunca vai conseguir combatê-las. E digo mais, é contraditório você esperar que as coisas continuem sempre iguais. Em Portugal, "tudo" não permanece também. Como você mesma disse, existem casas em ruínas que os próprios brasileiros (dos quais você tem vergonha) estão reconstruindo. Os jovens estão indo embora, o país, de norte a sul está sendo tomado por estrangeiros que aumentam a especulação imobiliária e fazem com que idosos não consigam mais pagar as suas rendas. Na zona onde eu moro, em Carcavelos, estão acabando com uma área de preservação ambiental para fazer 8 torres de prédios, um hotel e um shopping center. Como que "tudo permanece" em Portugal? Pelo amor de Deus. Discursinho vazio e xenofóbico com o seu próprio povo o seu. Parabéns.

Eu:

Ahh era você!!! Mas sim, a questão é muito mais complexa do que o que eu escrevi e o que você acrescentou (tirando os adjetivos que usou para me colocar em alguma “caixinha” onde eu não caibo) complementa muito bem, Biba. Concordo com tudo o que você falou também. Mas eu acho que você não entendeu muito bem o que eu escrevi lá no blog. Senão tinha dispensado esses adjetivos pouco elogiosos que usou pra mim. Eu não desprezo de jeito nenhum o Brasil e muito menos os meus conterrâneos, os pobres brasileiros. Só lamento que todos os políticos que governaram aquele país não conseguiram criar condições de educação dignas para toda a nossa população. Lamento profundamente que a nossa educação seja tão fraca. É isso é o que verifico aqui. Mas eu vejo muito valor na nossa gente e na coragem que muitos têm de vir tentar melhorar a vida por aqui. Como eu falei no que escrevi para você. A realidade não é simplesmente preto e branco. É colorida e tem muitos lados. Portugal tem muitos problemas também. Essa questão da moradia é um deles. Bom… acho que isso daria um livro. Vou parar por aqui.

A resposta dela foi:

Eu usei as palavras que você mesma usou para se referir aos brasileiros aos quais você sente vergonha. E eu não me referi a você no meu comentário, mas ao seu discurso. Porque você elogiar Portugal é uma coisa, agora você fazer isso depreciando o Brasil, a cultura brasileira e o povo brasileiro, é outra bem diferente. Já bastam pessoas estrangeiras mal informadas falando mal do nosso país, você não precisa se juntar a eles e aos argumentos vazios que eles tem. Eu entendi muito bem o que você escreveu, mas me atingiu diretamente e me machucou. Talvez você não tenha se expressado da maneira que você pretendia.

Agora você fala de política, acessos etc, mas no seu texto e no seu comentário você não abordou nenhuma dessas temáticas e foi a eles que me referi. A educação brasileira pode ser fraca em termos de sermos um povo “culto” (no que se refere ao tradicional), mas ainda somos um povo educado. Somos um povo alegre, um povo que se diverte com pouco, um povo completamente aberto às diferenças, aberto a aprender, somos interessados. Somos hospitaleiros com estrangeiros, curiosos com diferentes culturas. Acho que tudo isso pode valer muito mais do que sermos “um povo culto”. Tenho muito orgulho de ser brasileira!

E eu:

Pois é... Não coube tudo nesse meu primeiro post. Eu vou voltar ao assunto. Uma parte do que você fala é verdade. E os portugueses também são parecidos conosco, em muitos exemplos que você dá. Inclusive, muitos dos nossos comportamentos herdamos deles (para o bem e para o mal, atenção!). Mas as generalizações é que são o problema. Por isso que eu falei que era melhor escrever um livro.

Vou fazer outro post, mais completo, e vou levar em conta tudinho o que você falou. Eu também tenho muito orgulho de ser brasileira. Muito. Eu escrevi no calor da emoção do momento. Não tive a intenção de ferir ninguém, muito menos a minha filha. Eu me vali de uma expressão em moda hoje, que é o "lugar de fala", Posso falar do Brasil e dos brasileiros, justamente porque sou brasileira. Posso falar de São Paulo, porque sou paulistana. E posso falar de Portugal porque moro aqui. Portanto, eu só falo do que me sinto confortável para falar. Não posso falar do Pará (nunca estive lá) e nem da Bahia, que já visitei, mas pouco conheço. Enfim... essa conversa vai longe.

Ela ainda me disse:

Se você não conhece todo o Brasil, é complicado você se dar esse lugar de fala para falar do Brasil e dos Brasileiros.

E eu:

Então quer dizer que só quem conhece o Brasil inteiro pode falar do Brasil? Esse conceito exclui muita gente. Não acha? O fato de eu ser brasileira não me credencia a falar do Brasil que eu conheço?

Marjorie / Biba:
Mas você não falou do Brasil que você conhece. Você generalizou o Brasil inteiro como se ele todo fosse o Brasil que você conhece.

Eu:
Eu errei. Vou escrever mais para tentar corrigir esse mal entendido. Vou fazer esse adendo.

Ela achou que meu post deprecia o Brasil. Não concordo. Não quero depreciar o Brasil, só quero olhar para o país com objetividade, com imparcialidade e ver que ele tem qualidades e também defeitos (muitos). A cultura brasileira “verdadeira” tem o seu valor. Mas o que é a cultura brasileira, hoje em dia? O que vejo é uma cultura dominada por estrangeirismos – de um lado – e por uma falta de educação atroz – de outro. Falta educação ao brasileiro para que ele possa apreciar a arte, a literatura, a música clássica. Fico triste com isso. É uma questão complexa, que tem inúmeros fatores a influenciar o nosso pobre país. Sem falar nos políticos corruptos, eleitores pouco preparados, discursos de medo e de ódio, fake news, etc, etc, etc.

Sinto uma enorme compaixão pelo Brasil e pela nossa gente. Um povo alegre e feliz, como diz a minha filha, mas grande parte da nossa população não tem condições minimamente dignas de sobrevivência. Isso me deixa muito triste. O abismo social no Brasil é profundo e extremamente doloroso.

Dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2023 revelam que “o Brasil é conhecido por sua alta concentração de renda, onde o 1% mais rico da população detém 28,3% da renda total, tornando-o um dos países mais desiguais do mundo”. Como não se entristecer diante desses números?

Cada brasileiro desses 600 mil que decidiram mudar de vida e vir para cá merece todo o meu respeito e admiração. Mas é verdade também que quando muitos deles começam a falar, me dá tristeza (que eu erroneamente, segundo a minha filha, chamei de vergonha alheia, no outro post). Para mim, a vergonha alheia significa justamente me identificar com aquela pessoa do meu país e perceber que ela não teve acesso a uma boa educação, a leituras, a diferentes manifestações artísticas e, assim, fica em desvantagem aqui na batalha por um lugar ao sol, uma vida digna e boa.

A falta de educação (e não de cultura, porque eu confundi esses dois conceitos diferentes) é lamentável. Que falta que faz um ensino de qualidade!

Meu genro também fez um comentário no Facebook:
Nossa cultura da de 10x0 sogrinha. A única coisa que o mundo conhece de Portugal é o Cris. Agora sobre o Brasil....

Eu:
Eu sabia que estava a ser polêmica! Rsrs Nunca quis menosprezar o Brasil e talvez tenha misturado um pouco os conceitos de cultura e educação. Esse foi o meu erro.

Ele concordou comigo:
Acho que sim. 

Depois, também uma leitora do meu livro Destino Algarve me disse no Facebook: Te admirei muito por causa de seu livro, achei muito interessante. Mas não concordo com suas opiniões políticas.

E eu respondi:
Tá ótimo! Eu nem espero e nem quero que as pessoas concordem comigo. Não levanto bandeiras. Só me dou ao direito de expressar meus pensamentos e sentimentos e acho que todo mundo deveria fazer o mesmo. Pensar, refletir, chegar às suas próprias conclusões. Por isso ainda mantenho meu blog ativo, para escrever quando eu quiser, sobre o que eu quiser e sentir vontade. Tudo é tão efêmero nessas redes sociais. No blog, pelo menos, fica lá (aqui). Dá pra voltar depois de anos, reler, repensar...

Com esse post gigante, quero deixar registradas aqui diversas opiniões e dados sobre as novas relações Brasil – Portugal.

O objetivo é que cada um leia, pense, reflita e tire as suas próprias conclusões.

Só não permito que sejam “colados” em mim rótulos, tais como que meu discurso é vazio (não é) ou que eu sou xenofóbica (era só essa que me faltava… xenofóbica, eu?? Nesse caso eu teria ficado quieta no Brasil e nunca teria me casado com um português, ora essa…)

Também nunca manifestei que “antigamente que era bom” – não é nada isso. Eu sou a pessoa mais adepta a mudanças deste mundo. Tanto que mudei a minha vida de cabeça para baixo, aos 64 anos de idade. Amo mudanças. Menos as que desrespeitam a história e o legado arquitetônico, urbanístico, sociológico, cultural, humano etc. dos nossos antepassados. Espero ter sido mais clara e ter feito uma abordagem mais completa desta vez.

E você? O que pensa sobre essa invasão dos brasileiros em Portugal? Será que eles aproveitam o fato de estarem na Europa e conseguem aproveitar pelo menos parte da cultura do país que os acolhe?

quarta-feira, outubro 09, 2024

A cultura portuguesa

Visitei o Museu Nacional Grão Vasco, em Viseu
(fotografia: @António Rodrigues)
Instagram: @antoniorodrigues_arte

Morar em Portugal é uma coisa. Morar em Portugal com um português é outra completamente diferente. Posso fazer essas afirmações, porque vivi aqui as duas situações. Agora, vivo a segunda e me deparo com um vocabulário rico e muito diferente do meu. É tudo português. Só que não.

Em geral, os brasileiros que se mudam aqui para Portugal (e são muitos, reportagem publicada recentemente na imprensa brasileira indica que a estimativa atual e provisória para este mês de setembro de 2024 é de cerca de 600 mil conterrâneos a morarem por aqui; os dados oficiais deste ano só serão divulgados em 2025) organizam-se em “guetos” e não mergulham de cabeça na cultura portuguesa. A maioria sai do Brasil, mas o Brasil não sai deles. Continuam a usar as mesmas palavras, adotam algumas mais óbvias, do tipo telemóvel e casa de banho, mas não vão muito além disso.

Nós não sabemos quais são as histórias que os adultos de hoje ouviram quando eram miúdos. Nós não conhecemos as gírias, nem as mais antigas. Não temos a mesma relação afetiva que eles mantêm com o bolo de arroz, embrulhado no mesmo papel branco e azul há décadas. Quando ouvimos dois portugueses a conversar entre eles, acabamos perdendo o fio da meada no meio da conversa, porque uma ou outra palavra (ou expressão) sempre nos pegam desprevenidos. Não é só o sotaque. É o repertório, são as leituras que eles fizeram e nós não. As músicas que eles ouviram e nós não. As comidas que eles comeram e nós não.

A vantagem clara que eles têm sobre nós é a popularidade alcançada aqui pelas telenovelas brasileiras. Essa é a vantagem. Como consequência dessa popularidade, eles nos conhecem muito melhor do que nós a eles. E não adianta nada vir com as tolas piadas de portugueses que gostamos de contar no Brasil, ou a querer chamá-los de “burros” ou coisa parecida, porque na realidade a relação é diametralmente inversa. A cultura deles dá de 10 a zero sobre a nossa. Nossa educação está tão distante da deles quanto a distância e a largueza do Oceano Atlântico que separa os dois países. Não se trata de culpar ninguém (embora eu tenha uma grande vontade de culpar todos os governos dos últimos 66 anos, que é o meu tempo de vida… Será que nesse tempo todo não poderiam ter cuidado melhor da educação das nossas crianças naquele meu país?). Mas é uma dura constatação. Essa é a mais pura verdade. Por isso, meu conselho aos brasileiros que já estão aqui e aos que quiserem vir é que procurem conhecer melhor Portugal e se integrar de verdade ao país.  

Pela minha experiência de 2017/2018 no Algarve e agora desde 2022 na região Oeste (Óbidos), eles nos recebem muito bem, de braços abertos. Existe um certo paternalismo, até. Nós conseguimos reconhecer a influência e a herança dos portugueses na nossa cultura brasileira. Tem muita coisa que coincide. Mas tem também muita coisa diferente.

Para mim, particularmente, esse aprendizado diário de novas palavras e o meu interesse genuíno pela cultura daqui representa uma verdadeira fonte da juventude. Meus neurônios precisam rebolar para dar conta de absorver tanta coisa nova. Por isso, costumo anotar as palavras novas em um caderninho. E procuro também adotá-las no meu vocabulário.   

Eu, que não gostava de História, porque achava que era apenas uma coleção de datas, mudei de ideia e vi que um povo que conhece e valoriza a sua própria história tem mais condições de ter uma participação política mais consistente, mais consciente, entre outras inúmeras vantagens.

Termino esse meu post/desabafo em meio às notícias de um furacão de categoria 5, o Milton, a chegar à costa norte-americana da Flórida e a rezar para todos os santos que a Natureza não faça tantos estragos como é esperado. Que vidas sejam poupadas, e que tudo volte ao normal o quanto antes.