quarta-feira, outubro 09, 2024

A cultura portuguesa

Visitei o Museu Nacional Grão Vasco, em Viseu
(fotografia: @António Rodrigues)
Instagram: @antoniorodrigues_arte

Morar em Portugal é uma coisa. Morar em Portugal com um português é outra completamente diferente. Posso fazer essas afirmações, porque vivi aqui as duas situações. Agora, vivo a segunda e me deparo com um vocabulário rico e muito diferente do meu. É tudo português. Só que não.

Em geral, os brasileiros que se mudam aqui para Portugal (e são muitos, reportagem publicada recentemente na imprensa brasileira indica que a estimativa atual e provisória para este mês de setembro de 2024 é de cerca de 600 mil conterrâneos a morarem por aqui; os dados oficiais deste ano só serão divulgados em 2025) organizam-se em “guetos” e não mergulham de cabeça na cultura portuguesa. A maioria sai do Brasil, mas o Brasil não sai deles. Continuam a usar as mesmas palavras, adotam algumas mais óbvias, do tipo telemóvel e casa de banho, mas não vão muito além disso.

Nós não sabemos quais são as histórias que os adultos de hoje ouviram quando eram miúdos. Nós não conhecemos as gírias, nem as mais antigas. Não temos a mesma relação afetiva que eles mantêm com o bolo de arroz, embrulhado no mesmo papel branco e azul há décadas. Quando ouvimos dois portugueses a conversar entre eles, acabamos perdendo o fio da meada no meio da conversa, porque uma ou outra palavra (ou expressão) sempre nos pegam desprevenidos. Não é só o sotaque. É o repertório, são as leituras que eles fizeram e nós não. As músicas que eles ouviram e nós não. As comidas que eles comeram e nós não.

A vantagem clara que eles têm sobre nós é a popularidade alcançada aqui pelas telenovelas brasileiras. Essa é a vantagem. Como consequência dessa popularidade, eles nos conhecem muito melhor do que nós a eles. E não adianta nada vir com as tolas piadas de portugueses que gostamos de contar no Brasil, ou a querer chamá-los de “burros” ou coisa parecida, porque na realidade a relação é diametralmente inversa. A cultura deles dá de 10 a zero sobre a nossa. Nossa educação está tão distante da deles quanto a distância e a largueza do Oceano Atlântico que separa os dois países. Não se trata de culpar ninguém (embora eu tenha uma grande vontade de culpar todos os governos dos últimos 66 anos, que é o meu tempo de vida… Será que nesse tempo todo não poderiam ter cuidado melhor da educação das nossas crianças naquele meu país?). Mas é uma dura constatação. Essa é a mais pura verdade. Por isso, meu conselho aos brasileiros que já estão aqui e aos que quiserem vir é que procurem conhecer melhor Portugal e se integrar de verdade ao país.  

Pela minha experiência de 2017/2018 no Algarve e agora desde 2022 na região Oeste (Óbidos), eles nos recebem muito bem, de braços abertos. Existe um certo paternalismo, até. Nós conseguimos reconhecer a influência e a herança dos portugueses na nossa cultura brasileira. Tem muita coisa que coincide. Mas tem também muita coisa diferente.

Para mim, particularmente, esse aprendizado diário de novas palavras e o meu interesse genuíno pela cultura daqui representa uma verdadeira fonte da juventude. Meus neurônios precisam rebolar para dar conta de absorver tanta coisa nova. Por isso, costumo anotar as palavras novas em um caderninho. E procuro também adotá-las no meu vocabulário.   

Eu, que não gostava de História, porque achava que era apenas uma coleção de datas, mudei de ideia e vi que um povo que conhece e valoriza a sua própria história tem mais condições de ter uma participação política mais consistente, mais consciente, entre outras inúmeras vantagens.

Termino esse meu post/desabafo em meio às notícias de um furacão de categoria 5, o Milton, a chegar à costa norte-americana da Flórida e a rezar para todos os santos que a Natureza não faça tantos estragos como é esperado. Que vidas sejam poupadas, e que tudo volte ao normal o quanto antes.

9 comentários:

  1. Anônimo6:32 PM

    Adorei Silvia ,sempre tão clara.

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    1. Obrigada, mas eu queria muito saber quem foi que fez o comentário, rsrs

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    2. Anônimo8:26 PM

      Olá Silvia
      Sou Ira, tudo bem c vc?
      Gostei muito da sua reflexão sobre imigrar p Portugal. Vc escreve com muita fluência.
      Estive em Lisboa em 2016 e gostei muito, me senti "em casa" .
      Gostei de seus pontos de vista e entendi um pouco esse fluxo de brasileiros indo p Portugal.
      Quando vier ao Brasil vamos tomar um café?
      Continue a escrever, amo seus textos.
      Bjs

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  2. Bernardo Nunes8:00 PM

    Adorei Silvia!! Ainda lembro como nos encontramos, e como ficava espantada como o meu linguajar, uma mistura de português com sotaque algarvio! Terá sempre a minha amizade, estima e admiração! Deste seu amigo que lhe apresentou um pouquinho desta cultura portuguesa, talvez os seus primeiros contactos diretos! Um abraço para si e seus

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    1. Querido amigo, que bom ler o seu comentário por aqui. Que grande honra!! Sim, você foi o primeiro amigo português a me apresentar não só a língua como essa cultura riquíssima que eu aprendi a amar também. Outro forte abraço nosso do lado de cá!!!

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  3. Anônimo4:59 AM

    Por que você precisa depreciar o Brasil para elogiar Portugal? Dizer que a cultura e a educação deles “da de zero” à do Brasil é fazer exatamente o que você diz que os brasileiros fazem com os portugueses quando os chamam de “burros”. Cada cultura tem o seu valor e o povo de cada país é certamente muito feliz dentro da sua cultura e suas tradições.

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    1. Porque eu posso fazer uma declaração polêmica no meu espaço de expressão. Porque é essa a minha opinião e eu tenho todo o direito de expressá-la. Porque é verdade. É a dura e crua verdade. Nós, brasileiros, nos achamos grande coisa. Mas a nossa cultura é pobre, muito pobre, diante da cultura europeia. Infelizmente, é assim... Talvez eu tenha confundido cultura com educação e são coisas diferentes, de fato. Mas aqui muitas vezes eu sinto vergonha alheia quando vejo o baixo nível (sob ambos os aspectos, cultural e educacional) dos brasileiros que aqui estão a tentar construir uma vida melhor para si próprios, seus descendentes e às vezes até para os parentes que ficaram no Brasil. É muito triste, mas é a verdade. E a verdade nua e crua às vezes nem é bonita. Só que isso não é depreciar. A sim olhar com frontalidade. Admitir que é assim. E isso não me deixa nem um pouco feliz. Se você, anônimo, quer saber... fico bem triste com essa constatação. Agora, tradições... Hummm, pegue, por exemplo o bairro de Pinheiros, com aqueles enormes arranha-céus e seus estúdios de 20 metros quadrados. Cada vez mais a paisagem da "minha" cidade deixa-se dominar por esses monstros de vidro e cimento. Onde foram parar as casinhas de vila (onde eu mesma morei e fui feliz durante alguns anos)? O comércio local? Ou, em outras palavras, a nossa tradição? E posso estender a pergunta a vários outros bairros de São Paulo, As construtoras dominam o urbanismo, que não existe. Nossa história e nossas "tradições" se perdem em cada esquina. Aqui, tudo é muito diferente. Tudo permanece. Tá bom que metade do país (modo de dizer) está em ruínas de pedra, casas que o tempo destruiu. Mas que, veja só, os próprios brasileiros estão comprando e reconstruindo. Isso eu acho incrível. Tem um monte de canais no YouTube de brasileiros que compraram casas aqui, caindo aos pedaços, e, a duras penas, reconstroem tudo com as próprias mãos. Tem isso também. Tem muito pra contar, pra dizer dessa experiência de mudar de país. Obrigada pela indignação e pela pergunta, caro Anônimo. Seria legal e educado me dizer seu nome.

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  4. Anônimo8:16 AM

    Alice Chasin por aqui. Sua amiga " desde criancinha rs", o que descobrimos juntas no coral do ACT. Frontalidade, a palavra gatilho que me encontrou nesse meu momento em que os panos quentes estão me sufocando. Que maravilha de publicação, amiga.! Sua trajetória inspira.

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    1. Muito obrigada pela visita e pelo comentário, Alice! Que bom que você gostou daqui deste meu espaço de liberdade de expressão!! Sei que nem tudo o que eu digo é verdade para todos, mas falo a minha verdade. E acho que todos deveriam fazer o mesmo.

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