sexta-feira, outubro 11, 2024

Mais sobre Portugal

Fiz essa fotografia com o telemóvel, nas Fisgas de Ermelo,
nas margens do rio Olo, (acredite) sem nenhum efeito especial

Nossa, eu não poderia imaginar que o meu post anterior iria tão longe!

Recebi um comentário, que eu amei, do amigo Bernardo Nunes (pseudônimo). Diz ele:
Adorei Silvia!! Ainda lembro como nos encontramos, e como ficava espantada como o meu linguajar, uma mistura de português com sotaque algarvio! Terá sempre a minha amizade, estima e admiração! Deste seu amigo que lhe apresentou um pouquinho desta cultura portuguesa, talvez os seus primeiros contactos diretos! Um abraço para si e seus

Esse meu querido amigo foi a figura mais importante, sem dúvida, na minha primeira estadia aqui em Portugal. Ele ajudou tudo em tudo (e mais um pouco) o que estava ao seu alcance. Um Amigo com A maiúsculo, mesmo, sabe? Dessas pessoas que fazem coisas concretas e importantes para ajudar de verdade. Amigos assim são raros e a gente tem mais é que cultivá-los vida afora.

Mas não tive apenas reações simpáticas. Quando escrevi, eu sabia que estava tocando em alguns pontos sensíveis e polêmicos. Recebi este comentário anônimo:

Por que você precisa depreciar o Brasil para elogiar Portugal? Dizer que a cultura e a educação deles “dá de zero” à do Brasil é fazer exatamente o que você diz que os brasileiros fazem com os portugueses quando os chamam de “burros”. Cada cultura tem o seu valor e o povo de cada país é certamente muito feliz dentro da sua cultura e suas tradições.

Eu respondi o seguinte:
Porque eu posso fazer uma declaração polêmica no meu espaço de expressão. Porque é essa a minha opinião e eu tenho todo o direito de expressá-la. Porque é verdade. É a dura e crua verdade. Nós, brasileiros, nos achamos grande coisa. Mas a nossa cultura (educação) é pobre, muito pobre, diante da cultura (educação)  europeia. Infelizmente, é assim... Talvez eu tenha confundido cultura com educação e são coisas diferentes, de fato. Mas aqui muitas vezes eu sinto vergonha alheia quando vejo o baixo nível (sob ambos os aspectos, cultural e educacional) dos brasileiros que aqui estão a tentar construir uma vida melhor para si próprios, seus descendentes e às vezes até para os parentes que ficaram no Brasil. É muito triste, mas é a verdade. E a verdade nua e crua às vezes nem é bonita. Só que isso não é depreciar. Mas sim olhar com frontalidade. Admitir que é assim. E isso não me deixa nem um pouco feliz. Se você, anônimo, quer saber... fico bem triste com essa constatação.
Agora, tradições... Hummm, pegue, por exemplo o bairro de Pinheiros, com aqueles enormes arranha-céus e seus estúdios de 20 metros quadrados. Cada vez mais a paisagem da "minha" cidade deixa-se dominar por esses monstros de vidro e cimento. Onde foram parar as casinhas de vila (onde eu mesma morei e fui feliz durante alguns anos)? O comércio local? Ou, em outras palavras, a nossa tradição? E posso estender a pergunta a vários outros bairros de São Paulo, As construtoras dominam o urbanismo, que não existe. Nossa história e nossas "tradições" se perdem em cada esquina. Aqui, tudo é muito diferente. Tudo permanece. Tá bom que metade do país (modo de dizer) está em ruínas de pedra, casas que o tempo destruiu. Mas que, veja só, os próprios brasileiros estão comprando e reconstruindo. Isso eu acho incrível. Tem um monte de canais no YouTube de brasileiros que compraram casas aqui, caindo aos pedaços, e, a duras penas, reconstroem tudo com as próprias mãos. Tem isso também. Tem muito pra contar, pra dizer dessa experiência de mudar de país.
Obrigada pela indignação e pela pergunta, caro Anônimo. Seria legal e educado me dizer seu nome.

Depois, fiquei sabendo que era a minha filha – imagine – que me respondeu pelo Facebook e continuou a desenvolver o raciocínio dela:

Meu nome é Biba. E vergonha eu tenho de você por falar isso sobre o seu país. O Brasil tem dimensões continentais e você está reduzindo ele ao bairro de Pinheiros? Sério? Isso que São Paulo é literalmente uma das cidades mais multiculturais do mundo. Como você tem coragem de dizer que nosso país não tem cultura? Quanta cultura a gente não tem na Amazônia, Pará, na Bahia, Recife, e etc? Como você não valoriza um país com uma cultura riquíssima influenciada por povos originários indígenas, povos africanos e até os próprios Europeus que você tanto admira? Temos um legado mundial no âmbito da música, da culinária, das artes, artesanatos, literatura, festas tradicionais em todas as regiões do Brasil. Vergonhoso é você ter coragem de dizer que você sente vergonha alheia quando vê brasileiros estão a tentar construir uma vida melhor para si próprios, seus descendentes e às vezes até para os parentes que ficaram no Brasil. Pensa bem. Esse papo saudosista de "era bom quando" é vazio e não se sustenta. A gente está em 2024, o tempo passa, as coisas mudam. Quando você acha que "era bom quando x", para muitas pessoas mais velhas naquela época também "era bom antes de x". Envelhecer é mudar. O mundo está em constante mudança e rejeitar isso é rejeitar a vida como ela é. E você que se sente tão orgulhosa por aprender novas palavras, devia também aprender a se adaptar às mudanças da vida, afinal você nunca vai conseguir combatê-las. E digo mais, é contraditório você esperar que as coisas continuem sempre iguais. Em Portugal, "tudo" não permanece também. Como você mesma disse, existem casas em ruínas que os próprios brasileiros (dos quais você tem vergonha) estão reconstruindo. Os jovens estão indo embora, o país, de norte a sul está sendo tomado por estrangeiros que aumentam a especulação imobiliária e fazem com que idosos não consigam mais pagar as suas rendas. Na zona onde eu moro, em Carcavelos, estão acabando com uma área de preservação ambiental para fazer 8 torres de prédios, um hotel e um shopping center. Como que "tudo permanece" em Portugal? Pelo amor de Deus. Discursinho vazio e xenofóbico com o seu próprio povo o seu. Parabéns.

Eu:

Ahh era você!!! Mas sim, a questão é muito mais complexa do que o que eu escrevi e o que você acrescentou (tirando os adjetivos que usou para me colocar em alguma “caixinha” onde eu não caibo) complementa muito bem, Biba. Concordo com tudo o que você falou também. Mas eu acho que você não entendeu muito bem o que eu escrevi lá no blog. Senão tinha dispensado esses adjetivos pouco elogiosos que usou pra mim. Eu não desprezo de jeito nenhum o Brasil e muito menos os meus conterrâneos, os pobres brasileiros. Só lamento que todos os políticos que governaram aquele país não conseguiram criar condições de educação dignas para toda a nossa população. Lamento profundamente que a nossa educação seja tão fraca. É isso é o que verifico aqui. Mas eu vejo muito valor na nossa gente e na coragem que muitos têm de vir tentar melhorar a vida por aqui. Como eu falei no que escrevi para você. A realidade não é simplesmente preto e branco. É colorida e tem muitos lados. Portugal tem muitos problemas também. Essa questão da moradia é um deles. Bom… acho que isso daria um livro. Vou parar por aqui.

A resposta dela foi:

Eu usei as palavras que você mesma usou para se referir aos brasileiros aos quais você sente vergonha. E eu não me referi a você no meu comentário, mas ao seu discurso. Porque você elogiar Portugal é uma coisa, agora você fazer isso depreciando o Brasil, a cultura brasileira e o povo brasileiro, é outra bem diferente. Já bastam pessoas estrangeiras mal informadas falando mal do nosso país, você não precisa se juntar a eles e aos argumentos vazios que eles tem. Eu entendi muito bem o que você escreveu, mas me atingiu diretamente e me machucou. Talvez você não tenha se expressado da maneira que você pretendia.

Agora você fala de política, acessos etc, mas no seu texto e no seu comentário você não abordou nenhuma dessas temáticas e foi a eles que me referi. A educação brasileira pode ser fraca em termos de sermos um povo “culto” (no que se refere ao tradicional), mas ainda somos um povo educado. Somos um povo alegre, um povo que se diverte com pouco, um povo completamente aberto às diferenças, aberto a aprender, somos interessados. Somos hospitaleiros com estrangeiros, curiosos com diferentes culturas. Acho que tudo isso pode valer muito mais do que sermos “um povo culto”. Tenho muito orgulho de ser brasileira!

E eu:

Pois é... Não coube tudo nesse meu primeiro post. Eu vou voltar ao assunto. Uma parte do que você fala é verdade. E os portugueses também são parecidos conosco, em muitos exemplos que você dá. Inclusive, muitos dos nossos comportamentos herdamos deles (para o bem e para o mal, atenção!). Mas as generalizações é que são o problema. Por isso que eu falei que era melhor escrever um livro.

Vou fazer outro post, mais completo, e vou levar em conta tudinho o que você falou. Eu também tenho muito orgulho de ser brasileira. Muito. Eu escrevi no calor da emoção do momento. Não tive a intenção de ferir ninguém, muito menos a minha filha. Eu me vali de uma expressão em moda hoje, que é o "lugar de fala", Posso falar do Brasil e dos brasileiros, justamente porque sou brasileira. Posso falar de São Paulo, porque sou paulistana. E posso falar de Portugal porque moro aqui. Portanto, eu só falo do que me sinto confortável para falar. Não posso falar do Pará (nunca estive lá) e nem da Bahia, que já visitei, mas pouco conheço. Enfim... essa conversa vai longe.

Ela ainda me disse:

Se você não conhece todo o Brasil, é complicado você se dar esse lugar de fala para falar do Brasil e dos Brasileiros.

E eu:

Então quer dizer que só quem conhece o Brasil inteiro pode falar do Brasil? Esse conceito exclui muita gente. Não acha? O fato de eu ser brasileira não me credencia a falar do Brasil que eu conheço?

Marjorie / Biba:
Mas você não falou do Brasil que você conhece. Você generalizou o Brasil inteiro como se ele todo fosse o Brasil que você conhece.

Eu:
Eu errei. Vou escrever mais para tentar corrigir esse mal entendido. Vou fazer esse adendo.

Ela achou que meu post deprecia o Brasil. Não concordo. Não quero depreciar o Brasil, só quero olhar para o país com objetividade, com imparcialidade e ver que ele tem qualidades e também defeitos (muitos). A cultura brasileira “verdadeira” tem o seu valor. Mas o que é a cultura brasileira, hoje em dia? O que vejo é uma cultura dominada por estrangeirismos – de um lado – e por uma falta de educação atroz – de outro. Falta educação ao brasileiro para que ele possa apreciar a arte, a literatura, a música clássica. Fico triste com isso. É uma questão complexa, que tem inúmeros fatores a influenciar o nosso pobre país. Sem falar nos políticos corruptos, eleitores pouco preparados, discursos de medo e de ódio, fake news, etc, etc, etc.

Sinto uma enorme compaixão pelo Brasil e pela nossa gente. Um povo alegre e feliz, como diz a minha filha, mas grande parte da nossa população não tem condições minimamente dignas de sobrevivência. Isso me deixa muito triste. O abismo social no Brasil é profundo e extremamente doloroso.

Dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2023 revelam que “o Brasil é conhecido por sua alta concentração de renda, onde o 1% mais rico da população detém 28,3% da renda total, tornando-o um dos países mais desiguais do mundo”. Como não se entristecer diante desses números?

Cada brasileiro desses 600 mil que decidiram mudar de vida e vir para cá merece todo o meu respeito e admiração. Mas é verdade também que quando muitos deles começam a falar, me dá tristeza (que eu erroneamente, segundo a minha filha, chamei de vergonha alheia, no outro post). Para mim, a vergonha alheia significa justamente me identificar com aquela pessoa do meu país e perceber que ela não teve acesso a uma boa educação, a leituras, a diferentes manifestações artísticas e, assim, fica em desvantagem aqui na batalha por um lugar ao sol, uma vida digna e boa.

A falta de educação (e não de cultura, porque eu confundi esses dois conceitos diferentes) é lamentável. Que falta que faz um ensino de qualidade!

Meu genro também fez um comentário no Facebook:
Nossa cultura da de 10x0 sogrinha. A única coisa que o mundo conhece de Portugal é o Cris. Agora sobre o Brasil....

Eu:
Eu sabia que estava a ser polêmica! Rsrs Nunca quis menosprezar o Brasil e talvez tenha misturado um pouco os conceitos de cultura e educação. Esse foi o meu erro.

Ele concordou comigo:
Acho que sim. 

Depois, também uma leitora do meu livro Destino Algarve me disse no Facebook: Te admirei muito por causa de seu livro, achei muito interessante. Mas não concordo com suas opiniões políticas.

E eu respondi:
Tá ótimo! Eu nem espero e nem quero que as pessoas concordem comigo. Não levanto bandeiras. Só me dou ao direito de expressar meus pensamentos e sentimentos e acho que todo mundo deveria fazer o mesmo. Pensar, refletir, chegar às suas próprias conclusões. Por isso ainda mantenho meu blog ativo, para escrever quando eu quiser, sobre o que eu quiser e sentir vontade. Tudo é tão efêmero nessas redes sociais. No blog, pelo menos, fica lá (aqui). Dá pra voltar depois de anos, reler, repensar...

Com esse post gigante, quero deixar registradas aqui diversas opiniões e dados sobre as novas relações Brasil – Portugal.

O objetivo é que cada um leia, pense, reflita e tire as suas próprias conclusões.

Só não permito que sejam “colados” em mim rótulos, tais como que meu discurso é vazio (não é) ou que eu sou xenofóbica (era só essa que me faltava… xenofóbica, eu?? Nesse caso eu teria ficado quieta no Brasil e nunca teria me casado com um português, ora essa…)

Também nunca manifestei que “antigamente que era bom” – não é nada isso. Eu sou a pessoa mais adepta a mudanças deste mundo. Tanto que mudei a minha vida de cabeça para baixo, aos 64 anos de idade. Amo mudanças. Menos as que desrespeitam a história e o legado arquitetônico, urbanístico, sociológico, cultural, humano etc. dos nossos antepassados. Espero ter sido mais clara e ter feito uma abordagem mais completa desta vez.

E você? O que pensa sobre essa invasão dos brasileiros em Portugal? Será que eles aproveitam o fato de estarem na Europa e conseguem aproveitar pelo menos parte da cultura do país que os acolhe?

2 comentários:

  1. Minha querida. a linguagem é uma ferramenta, cujo exercício, resulta nas interpretações subjectivas que lhe podem ser feitas. Qualquer imprecisão pode despoletar resultados que não correspondem às intenções de quem escreve. Isto acontece sobretudo quando a visão exterior sobre o autor o determina.
    Excepcionalmente, abri a janela do Facebbok, para discorrer um pouco sobre o assunto. Tu não precisas que o faça, mas eu sou o português que está na origem da tua vinda e contacto com esta realidade. Logo sou suspeito de eleição para uma influência no significado do que se pode querer ver e não está, nas palavrs que escreveste.
    Assim é legítimo o meu esclarecimento, por lá:

    https://www.facebook.com/antonio.m.g.rodrigues/

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    Respostas
    1. Obrigada pelo comentário e pelo texto maravilhoso no Facebook. Pena que é preciso copiar e colar o link para acessar o texto.

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