Ai, que saudades!
Vira e mexe, o blog volta às origens. Dessa vez, vai ser com uma entrevista do psicanalista Jorge Forbes para a Marie Claire.
Todo mundo quer amor
O psicanalista e psiquiatra Jorge Forbes* fala que a felicidade amorosa não tem garantia. Ele acredita que buscá-la é obrigação de todos. Mesmo sabendo do risco de se machucar no caminho.
Marie Claire: É impossível ser feliz sozinho?
Jorge Forbes: Todo ser humano necessita de alguém que o incomode, que o desafie todos os dias. Quando acontece o encontro, um acorda o outro e é bom, as pessoas precisam de alguém que as retire do comportamento individualista. A mulher deve ser "a pedra no caminho" do homem, como nos versos de Carlos Drummond de Andrade. É ela quem alerta o homem, porque ele é mais acomodado e ela é mais inquieta. O encontro faz com que os dois tenham motivo para reinventar a vida todos os dias. Mas felicidade dá trabalho.
MC: Fixar-se na falta do parceiro é uma atitude infeliz?
JF: Idealizar que o parceiro é a fonte da felicidade tem dois lados ruins: 1. Enquanto está sem par, a pessoa desvaloriza as outras conquistas da vida, que também são importantes, mas acabam passando despercebidas. 2. Se, por acaso, consegue que seu relacionamento amoroso atinja seu ideal de felicidade, está fadada a perder essa situação, já que nenhum relacionamento é ideal eternamente.
MC: Como realizar o sonho de ser feliz no amor?
JF: Tentar ser feliz é obrigatório. Realizar é uma sorte. Para chegar um pouco mais perto, aí vão alguns lembretes:
1. Não acredite em conselhos que tenham em sua composição a palavra "dever".
2. Esqueça regras pré-concebidas. As formas de satisfação a dois só podem ter uma regra – o comum acordo entre os parceiros.
3. Os parceiros podem contar todas as fantasias amorosas um para o outro: contar sempre, realizar quando der.
4. Jamais tente compreender a felicidade. É preciso suportar o inusitado dela, mesmo se você não compreende o que está acontecendo! Com medo de que a felicidade acabe, as pessoas ficam tentando descobrir a receita para repetir exatamente o que aconteceu, na tentativa de aprisionar o momento feliz. Mas toda vez que se constrói uma prisão, a felicidade acaba.
5. A base da felicidade é o novo, a originalidade. Ela é a possibilidade de viver fora do padrão e de reinventar a vida. Quem ousa tem mais chance de ser feliz.
MC: Dizem que"casamento é loteria". O senhor acha que felicidade é questão de sorte?
JF: Concordo que o amor é um encontro por acaso. A essência do relacionamento não se pode prever e nem medir. Todo balanço pré-nupcial tem um elemento imponderável, por isso os mais velhos costumavam dizer que "quem pensa muito não casa". A razão é simples: é impossível entender plenamente por que se está casando.
MC:A felicidade depende da maturidade?
JF: Isso não garante nada. A maturidade é uma chatice que a civilização impõe. A felicidade é poder manter algo dos 5 anos de idade e não ser taxado de débil mental. Felicidade é a força bruta do desejo, que dá o impulso para que as coisas se realizem.
MC: "Tenho medo da dependência" é outro clichê moderno para fugir da intimidade emocional. JF: Atrás dessa frase há sempre uma pessoa querendo muito ser dependente. Ao encontrar alguém aparentemente disponível, agarra-se a ela como garantia de segurança emocional, econômica, social, espiritual... mas isso não é felicidade. Há sempre uma diferença radical entre dois parceiros: amor é o nome que se dá à ponte que recobre temporariamente essa distância entre eles. Mas a diferença sempre vai reaparecer, é inevitável. A felicidade é tênue, um encontro provisório. Não é standard, nunca é fixa.
MC:Esperar que a relação seja fonte de felicidade revela uma visão idealizada do amor?
JF: Tratar a relação amorosa como um tapa-buraco para as dificuldades da vida é exigir demais do parceiro, que acaba tendo uma responsabilidade que desconhece e com a qual não pode arcar. Relacionamento amoroso ajuda, sim, mas indiretamente: fornece energia e entusiasmo para enfrentar a vida.
MC:O que precisamos saber para amar e ser feliz?
JF: Que não existe garantia. Todo amor é um contrato de risco e nisso reside sua graça e sua desgraça. Graça, quando contribui para aumentar o entusiasmo na vida. Desgraça quando deixa a pessoa desarvorada – a pior reação de uma mulher frente à perda de um amor, segundo [a escritora] Marguerite Duras.
MC:Mulher sofre mais por amor do que homem?
JF: Geralmente, sim. O abatimento da mulher é maior porque a capacidade feminina de amar é infinitamente superior à do homem.
MC:Felicidade é uma responsabilidade pessoal?
JF: Pessoal e intransferível. Quem espera que o outro lhe traga a felicidade é porque se acomodou. Colocou o parceiro no lugar da mãe que levava o Toddy na cama.
MC:Na carência afetiva, corremos o risco de consumir o outro como um "antidepressivo"?
JF: Transformar amor em remédio é perigoso, felicidade não é artigo de consumo. A relação amorosa tem duas vertentes: a afetiva e a sensual. A afetiva é cuidado, segurança, companheirismo – é repetição. A sensual é invenção e nada tem a ver com o cuidar – envolve surpresa, uso sexual recíproco e tem uma vertente enigmática. Quando as pessoas estão carentes, tendem a desenvolver a corrente amigável e sufocar a sensual. Aí o amor acaba. Quem se preocupa demais com o dia-a-dia costuma fazer mal amor à noite.
MC: A felicidade amorosa quase sempre vem acompanhada do medo da perda, do abandono ou da traição. Como superar isso?
JF: Quando se gosta de alguém, a tendência é ficar vulnerável. Amar é suportar ser ridículo. A partir dos 30 anos as pessoas estão escaldadas, já tiveram decepções amorosas. Daí o medo. Mesmo assim, vale a pena arriscar novamente, ainda sabendo que pode se ferrar de novo. Mas se a pessoa só se ferra, é hora de desconfiar de suas más escolhas. Tem gente que tem prazer em sofrer.
MC: A euforia do começo da paixão pode ser chamada de felicidade?
JF: A paixão pode ser chamada de felicidade, mas, quando se transforma em um ideal de vida, fica supervalorizada e representa um perigo. Fica bonito no teatro, mas é muito triste na vida real. Daí personagens como Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, Abelardo e Heloísa... Morreram porque tentaram eternizar a paixão. Quando os envolvidos querem manter intocável a paixão, quando não suportam mudança ou interferência, acabam selando um compromisso de morte.
*Jorge Forbes é presidente do Instituto de Pesquisas e Psicanálise de São Paulo; membro da Escola Européia de Psicanálise e autor de vários livros. O mais recente é "Da Palavra ao Gesto do Analista", pela Jorge Zahar Editores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua participação é muito importante!
Lembre-se de deixar seu nome no comentário.